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A invisibilidade literária dos autores afrobrasileiros

O mito da democracia racial, que se alia ao conceito de que no Brasil há uma só literatura, a literatura brasileira, é uma das causas do problema

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Pedro Paulo Machado

Autor de “Introdução às Literaturas Africanas – A literatura nos países africanos de Língua Portuguesa” (editora Alpheratz).

A invisibilidade ainda paira sobre a literatura produzida pelo negro e, mesmo que reconheçamos que houve algum avanço nas últimas décadas, ainda vigora considerável desproporcionalidade nesse âmbito.

Apesar do aumento da demanda por uma maior presença de obras de escritores afrobrasileiros nas prateleiras das livrarias, o mercado editorial ainda não se abriu totalmente à publicação de obras que reflitam a vivência e as questões sociais, políticas e culturais do negro no Brasil.

Constata-se o uso oportunista da figura de negros que já obtiveram a consagração no cânone literário ou simplesmente no sucesso de vendas. Não basta a publicação e divulgação de autores já consagrados: a presença negra nas estantes das livrarias, físicas ou virtuais, não pode se limitar ao autor negro que, depois de duras penas e mil portas fechadas, atingiu a consagração —essa, muitas vezes, à despeito das editoras, haja vista a própria biografia de Lima Barreto, que em vida só conseguiu ser publicado pagando ele mesmo suas edições.

Esse tipo de presença —importante, mas diminuta em face do que nós produzimos— parece ação marqueteira para dar boa imagem a grandes grupos editoriais. Isto se explica porque o passado destes grupos apresenta muitas questões problemáticas que podem ser expostas a partir do trabalho contundente dos movimentos sociais que lutam por maior representação do negro na sociedade.

A minha trajetória como autor afrobrasileiro publicado não é prova de meritocracia ou de que basta ter qualidade na escrita para que um escritor preto ou uma escritora preta sejam publicados e lidos.

A publicação do meu romance “Brilha a Escuridão dos teus Olhos” e da minha obra “Introdução às Literaturas Africanas”, pela editora Alpheratz, fazem parte de consciência e de planejamento específicos de uma casa editorial na divulgação das culturas africanas e afrobrasileira, assim como de escritores afrobrasileiros ainda não tão conhecidos do público em geral.

Mas são movimentos que se constatam entre as editoras independentes, na grande parte de pequeno e médio porte. O mesmo fenômeno de dar voz e espaço a autores pretos dificilmente pode ser encontrado entre os grandes selos editoriais. Além da busca pela qualidade, para a obra de um escritor preto ser publicada se exige o sentido de luta política e resistência social por parte dos meios editoriais.

Não adianta publicar um autor preto para cumprir uma cota social e ser bem visto pelo público, é preciso que as editoras tenham consciência e ações concretas sobre o fato de que o racismo estrutural da sociedade brasileira sempre afetou e, muitas vezes, alicerçou também as estruturas do mercado editorial.

A propagação do mito da democracia racial, que se alia ao conceito de que no Brasil há uma só literatura, a literatura brasileira, que teoricamente contemplaria a todos, é uma das causas do problema.

Ao não se compreender e não se sensibilizar com a necessidade de se dar visibilidade a uma literatura que reflita a vivência do negro em uma sociedade que ainda não o incluiu amplamente e em que ainda há a presença de um forte racismo estrutural, se desestimula a publicação e a divulgação dos autores que atendam a essa demanda social.

A consequência disso é que a sociedade se vê privada do acesso a uma quantidade considerável de autores negros de qualidade, pois pouca é a presença destes nas estantes das livrarias e nos nichos de publicação das grandes editoras.

Quanto ao autor afrobrasileiro, escrever é ato político, ser publicado é arma na luta por ter sua voz ouvida e o ser lido e reconhecido é sempre a batalha final, a mais difícil, que não depende somente do escritor, mas sempre da coletividade.

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