PerifaConnection

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias. Feita por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

PerifaConnection

Em sua 10ª edição, a Festa Literária das Periferias terá o primeiro slam dos povos indígenas

A palavra falada é a grande homenagem da 10ª edição da Flup

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Júlio Ludemir

Escritor e criador da Festa Literária das Periferias e da Batalha dos Passinhos

Quando idealizamos a Festa Literária das Periferias (Flup), o Brasil era um outro país. Mas mesmo em 2012, no auge de uma era de governos populares, soava patético propor um festival literário internacional em uma favela do Rio de Janeiro.

Todos nos diziam que era um projeto belo e necessário, mas inviável. Até mesmo pessoas queridas e parceiras, com as quais compartilhávamos sonhos e cervejas, duvidavam que pudéssemos converter uma epifania em evento. Em todas as edições o mesmo acontecia. O impossível nunca foi tão íntimo quanto agora, em 2021, mas o cortejamos ao longo de toda nossa história

Uma leitura dos programas de edições anteriores denuncia o tom quase épico de nossas produções. Sempre chegamos em novembro com a sede de quem pode estar diante de um último encontro, uma última paixão, uma última vez. É o caso agora.

Sobrevivemos aos sombrios futuros que previram para nós ao longo de uma história que, embora fadada a ser curta, já resultou na publicação de 23 livros, 150 argumentos audiovisuais, cinco exposições de artes plásticas e três documentários —um deles um longa-metragem.

Em um palco iluminado, três pessoas estão sentadas em cadeiras com microfones nas mãos em frente de uma platéia; ao fundo, uma logomarca da Flup
A escritora Ana Maria Machado na Flup de 2012, no Rio de Janeiro - Daniel Marenco/Folhapress

Roberta Estrela D’Alva, a curadora do Rio Poetry Slam, nos disse que seria impossível reunir os 16 poetas que pedimos para que convidasse à Flup de 2014. Desde então recebemos cerca de 300 slammers em nossas batalhas nacionais e internacionais, com performers provenientes de quase todos os estados do Brasil e de diversos países africanos, europeus e das três Américas.

Orgulhamo-nos também do desfile com que atualizamos o modativismo de Zuzu Angel, mostrando que o estado brasileiro agora mata a juventude preta. Fomos a não menos que 100 escolas públicas de ensino médio e fundamental.

Igualmente superlativos são os números de nossas entregas em 2021, apesar de asfixiados por um governo culturicida, que aprendeu como paralisar a indústria artística.

Sozinho, o livro "Carolinas" publicou mais contistas negras brasileiras que em toda a história de nossa literatura. "Cartas para Esperança" recebeu missivas de 400 mulheres espalhadas por todo país, criando uma enorme dificuldade para a banca formada por outras cinco mulheres negras escolher as 50 autoras que publicaremos em 2022.

Os dois meses de formação do Slam Esperança atraíram 120 jovens de escolas públicas de ensino médio de sete estados da federação. E o quinto ano do Laboratório de Narrativas Negras, parceria com a Globo à qual acrescemos os indígenas, formou uma entusiasmada turma de 40 aspirantes a roteiristas a partir de 500 inscrições espalhadas pelo país.

Mais uma vez visitamos a memória de nossas periferias, reunindo mulheres negras de Santa Cruz para contar a origem dos conjuntos habitacionais que mudaram a demografia deste que é o mais remoto bairro do Rio de Janeiro.

Temos a consciência de que todo esse esforço merece ser celebrado, principalmente em um ano em que paira sobre nós a macabra contabilidade das 600 mil mortes decorrentes da pandemia, muitas delas vizinhas a nós.

Quem é de origem popular sabe que é com entusiasmo que se comemora o privilégio da vida, quando e enquanto o temos. Vai-se ao samba, como dizia o inevitável Paulinho da Viola, porque só assim nos sentimos contentes.

Por isso tanto se espera de um sábado à noite, como filosofou o Cidade Negra. Dança-se para que a paz não dance na tribo, acrescentou Rita Lee. Todas as modalidades de nossa cultura popular possuem uma versão para o quem-canta-os-males-espanta.

A citação ao cancioneiro popular não aconteceu aleatoriamente, ainda que seja quase instintivo que os brasileiros as façam. A visita à rica tradição da MPB é um explícito diálogo com a palavra falada, que tem sido desde sempre a maior e mais inclusiva plataforma de formação de leitores e autores provenientes da periferia.

A palavra falada é a grande homenagem da 10ª edição da Flup, à qual dedicamos um ciclo com seis das onze mesas da Maratona Flup 10 Anos. Também tangenciam a palavra falada os quatro debates que intitulamos de Diálogos Transatlânticos, a partir da residência artística de Emicida no CES, em Coimbra.

A Maratona Flup 10 anos entrará no ar na tarde de 30 de outubro e terá 40 debatedores de nacionalidades como Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola, Costa do Marfim, Portugual, França, Estados Unidos, México, das quais 25 são negras, 24 são mulheres, duas são pessoas trans e outras duas são surdas. O conteúdo ficará no ar por 10 dias.

Nossa programação presencial, que acontecerá na favela da Babilônia nos dias 30 de outubro e 5, 6 e 7 de novembro, também será inteiramente dedicada à palavra falada.

Participarão de nosso reencontro com a favela na qual fizemos a Flup de 2015 poetas de 13 países, indígenas de 15 etnias e ativistas de cinco coletivos de poesia da periferia do Rio.

Os poetas indígenas não apenas estarão protagonizando o primeiro slam dos povos originários da história como terão sua produção poética publicada tanto aqui quanto no Canadá, numa parceria que articulamos com o Tifa, maior festival literário do Canadá. Vale lembrar que todos esses ativistas da palavra falada estarão se reunindo pela primeira vez desde o início da pandemia.

Estamos exaustos. Mas é com orgulho que aguardamos todos vocês tanto para nossa maratona de debates quanto para a ocupação poética da Babilônia, favela na qual me orgulho de morar há oito anos e de ser um disputado goleiro. Mas isso é outra história.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.