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PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias. Feita por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento

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Descrição de chapéu LGBTQIA+

Inércia geral obriga população LGBTQIA+ da periferia a criar mecanismos de sobrevivência

Ideia de que 'favela venceu' não exprime realidade de população das comunidades

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Thiago Percides Pereira

Graduando em direito, cria de Duque de Caxias e colaborador do PerifaConnection

Rahzel Alec da Silva

Estudante de Relações Públicas e colaborador do PerifaConnection

Ser LGBTQIA+ de periferia é um desafio que perdura, e cruzar a linha de chegada é o sonho daqueles que sempre estiveram à margem da corrida. O prêmio é visibilizar as interseccionalidades existentes dentro dos nossos territórios. Por isso, a importância das iniciativas que buscam disputar as narrativas LGBTQIA+ periféricas. Além da luta pela vida, precisamos nos atentar ao modo como a sociedade enxerga e caracteriza nossa existência.

Nas discussões sobre a homolesbitransfobia, as redes sociais têm ganhado cada vez mais espaço. Rolando a "timeline" ao longo de junho, que marca o mês do orgulho LGBTQIA+, foi possível se deparar com diversos anúncios sobre a inclusão dessa população no mercado de trabalho, além de campanhas que trazem esse público como parte de seus consumidores. A questão é: até onde vai a régua da diversidade e da inclusão para essas marcas?

Pessoas participam da Marcha Trans como parte das celebrações do orgulho LGBT+ em São Paulo - Carla Carniel - 17.jun.2022/Reuters

A periferia, que é comumente afetada pela violência do Estado, tem altas taxas de subemprego e carece de investimento em educação pública de qualidade, dificilmente endossa as estatísticas das "chances de ouro". A ideia de que a "favela venceu" e que os ambientes estão mais diversos não exprime a realidade dessa população.

Quando atravessadas por fatores atrelados à identidade de gênero, à orientação sexual e à raça, as dificuldades se acirram. Logo, o discurso sobre o aumento das políticas de diversidade e inclusão pode até ser fundamentado, mas os beneficiários desse discurso provavelmente não seriam pessoas travestis e transgênero, negras e oriundas da periferia.

Se há a prática neoliberal de estampar o apoio à comunidade durante o mês de junho, onde estão os projetos que de fato promovam a inclusão da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e de pessoas intersexo das periferias dentro desses espaços?

A história de luta política da comunidade teve início durante o período da ditadura empresarial-militar no Brasil. Houve ausência de proteções à diversidade sexual e de gênero na promulgação da Constituição Federal de 1988 e, até hoje, o Congresso Nacional não aprovou nenhuma legislação voltada aos anseios das minorias sexuais.

A atitude de se orgulhar no país que mais mata pessoas LGBTQIA+, sobretudo pessoas trans, e que ignora políticas de segurança para a comunidade é, no mínimo, um ato de bravura, principalmente quando essa violência se divide e atinge raça, gêneros e classe sociais de formas diferentes.


No momento no qual o assistencialismo e a necessidade efetiva de políticas públicas foram extremamente necessários, percebemos que estes, quando voltados para a população LGBTQIA+, deram pequenos passos nos últimos dois anos. O cenário piora ao constatar que existe uma oposição à criação de novas políticas tão importantes quanto às voltadas ao combate ao HIV. Algumas delas hoje passam por desmonte promovido pelo atual governo durante a pandemia da Covid-19.

Em maio deste ano, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que, segundo a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), 2,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais no Brasil se declaram lésbicas, gays ou bissexuais. O dado é o primeiro a contemplar minorias sexuais em quase 90 anos de história do instituto. Todavia a amostra representa um número muito abaixo do que se esperava e engloba apenas a orientação sexual, deixando de lado a identidade de gênero das pessoas entrevistadas.

Pautada há muito tempo, a luta pela inclusão da orientação sexual e da identidade de gênero nos censos do IBGE é um dos maiores anseios da comunidade LGBTQIA+. A coleta minuciosa de dados responsáveis pela criação de políticas públicas efetivas para nossa população necessita vir de uma iniciativa com aporte financeiro e estrutural. Entretanto, há um descaso quase secular que se reflete no não recolhimento desses dados e prejudica o fornecimento de informações importantes para o avanço da política de diversidade e igualdade no país.

Em contraponto à inércia institucional, que gera a negligência com as vidas diferentes do padrão cis-hetetonormativo, é possível observar não só o fortalecimento de organizações como a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais) e o GGB (Grupo Gay da Bahia) --que seguem contrariando o descaso com a produção de estatísticas sobre pessoas LGBTQIA+ no Brasil e realizam mapeamentos de dados sobre a comunidade --, como também o surgimento de outras instituições que têm fortalecido essa rede de proteção e luta.

O movimento de periferia e as lutas insurgentes pelos direitos da população LGBTQIA+ são exemplos de como é possível falar de orgulho de forma coerente. Orgulho de fazer acontecer e de se preocupar com nossas vidas não só em junho, mas em todos os outros meses, materializando a fuga da lógica neoliberal ao colocar a mão na massa e tecer redes de apoio e fortalecimento. Sobretudo, acolher, incluir e normalizar corpos marginalizados é burlar, a duras penas, a política de morte que se mantém nas periferias do país.

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