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De Belém, Festival Psica ensina a verdadeira Amazônia para o Brasil

Música da floresta e das palafitas subvertem ideias sudestinas do que é cultura amazônica

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Gustavo Aguiar

Jornalista, artista e produtor cultural paraense

Uma revolta popular eclodiu no Norte do Brasil regencial, assassinando o governador da província do Grão-Pará e colocando em seu lugar líderes populares da revolução, que regem Belém do Pará por vários anos. A Revolta da Cabanagem está presente no imaginário dos amazônidas e é responsável por criar diversos símbolos e conceitos de uma verdadeira nação à parte, que triunfa no poder do negro, indígena e caboclo.

Multidão no Festival Psica
Multidão assiste a show no Festival Psica - Liliane Moreira/Divulgação

A revolução cabana inspira um movimento decolonial próprio, que sempre existiu no Norte brasileiro, de reafirmação cultural e política. Influenciado por uma "neo cabanagem" -- movimento contemporâneo de afirmação da cultura nortista--, o Festival Psica, que completou dez anos em dezembro do ano passado, é ponta de lança dessa movimentação artística e tem atraído olhares das outras regiões para enxergar o Norte com os olhos nortistas, tão ignorados pelo centro econômico brasileiro há séculos.

A programação do evento extrapola a música e o formato de festival como produto. Na abertura, uma cerimônia única que reuniu diferentes manifestações da cultura popular: dos vovôs e vovós da Marujada de Bragança, passando pelos pernas-de-pau do Arrastão do Boi Pavulagem, do grupo de resistência Afro Axé Dudu, às baterias de escola de samba e quadrilhas juninas em sua grande parte formadas por pessoas LGBTQIAP+, em um dia gratuito de evento.

Percorrendo todo o espaço do festival, batizado de "Arena Território Rebelado", a cerimônia plantava um mastro em cada palco, repetindo o que essas festividades culturais fazem há séculos na Amazônia. "É a partilha da fartura", explicou o multiartista Romário Wellington, que assina seus trabalhos como Byxa do Mato e que, no Psica, é responsável pela direção conceitual do evento.

Homem negro cantando em palco
O cantor Black Alien durante show no Festival Psica - Tuyuka Lara/ Divulgação

Para ele e para Gerson Junior e Jeft Dias, diretores do evento, as grandes referências de festivais de cultura não estão no Sudeste ou no Nordeste, mas, sim, na Amazônia, que abriga eventos seculares como o Círio de Nazaré, Sairé e tantas outras manifestações criadas por negros, indígenas e caboclos para marcar a época da fartura e promover a chamada partilha.

O Psica é a festa que promove a fartura e a partilha de um contemporâneo movimento decolonial cabano. Artistas que constroem há anos esse movimento com seus trabalhos subversivos também fazem parte do megazord estético que é o Psica, contribuindo na sua construção, seja com mãos ou conceitos.

É caso de Byxa do Mato, Nay Jinknss, Lucas Mariano, Shayra Brotero, Matheus Almeida, Astigma VJ, Vilson Vicente e Levy Fortunato, para citar um punhado, que pode ser expandido para centenas de músicos, compositores e produtores culturais que fazem parte da festividade e que constroem um novo episódio na história das artes amazônidas.

No mesmo front, estão artistas que se conectam com um movimento de redesenho das estruturas sociais, artísticas e políticas a partir do tornar-se negro. Como faz Luedji Luna, BK’, Baco Exu do Blues e Liniker, alguns dos pretos convidados desta edição. Em um movimento mundial que beira um "iluminismo preto", promovendo uma nova visão de mundo e de si a partir de sua negritude, o Psica convida a "tornar-se amazônida", evocando especificidades sociais, culturais, geográficas e estéticas próprias do Norte brasileiro.

Assim como todo indivíduo preto e criado na periferia, o festival também precisa lidar com violências e preconceitos velados que seu próprio trabalho tenta subverter. O Psica dispensa os olhares exóticos e que o infantilizam, tão naturais de serem lançados para os que vêm de regiões periféricas do Brasil. Na contramão, o evento galga um espaço para ser reconhecido como potência. Essa imagem de poder que o festival emana, que é tão real em Belém do Pará, ainda está em construção nas páginas de cadernos culturais e nas mesas dos executivos da cultura e mídia localizados no Sudeste.

Na edição de dez anos, excluindo-se apoios do governo local, nenhuma grande empresa, seja de bebidas, telefonia, perfumaria, tecnologia ou moda, enxergou o Psica como uma marca interessante. Em uma de nossas conversas, Jeft Dias contou que acredita que as marcas de alcance nacional não confiam em pessoas pretas e periféricas da Amazônia e não enxergam nelas potência para investimento, por pura ignorância. Mas com a experiência mágica da última edição do Psica, que reverberou nas redes, esse contexto tende a mudar.

Quem pisa no território rebelado do Festival Psica sente que há uma revolução em curso, protagonizada por uma região apagada da memória nacional. É uma revolução simbólica que pretende invadir e povoar a memória sudestina sobre a Amazônia, e enchê-la de cores, luzes, LEDs, sons e, principalmente, gritos de liberdade. O Psica ensinará ao Brasil o que é a Amazônia.

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