Carnaval dos blocos reflete a diversidade de São Paulo e vai do forró ao rap

Mistura sonora, com presença de ritmos nordestinos, junta-se ao resgate de sambas em meio ao batidão do funk e ao rebolado do axé

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São Paulo

Em que lugar do mundo, num só dia, é possível dançar ao ritmo de músicas de trilhas sonoras, pular no embalo de marchinhas carnavalescas, sacudir-se num sambão das antigas, requebrar até o chão com a energia do axé e ainda tocar uma guitarra (ok, imaginária) num bloco de punk rock?

Em São Paulo, Carnaval é assim: vai no embalo de diferentes gêneros e ritmos musicais. Funk, xote, samba, rock, pop, sertanejo, rap. Música sem letra e letra sem música.

A essência da diversidade paulistana está impressa em seu Carnaval.

"Num único fim de semana, só na região central, dá para você se sentir na África, no Recife, em Salvador, no interior, no sertão. Com toda essa variante, São Paulo está produzindo um Carnaval com DNA próprio", resumiu a coordenadora pedagógica Márcia Tripodi, 45, enquanto assistia, no último domingo (19), ao cortejo do Ilú Obá De Min.

Percussionistas do bloco Ilu Obá de Min, durante apresentação na Barra Funda, zona oeste de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

O nome do bloco significa, em iorubá, "mãos femininas que tocam tambor para Xangô". A bateria é formada por 400 mulheres. Cantos e batuques são entoados em reverência à cultura negra e à afro-brasileira. Entre ritmos que passeiam pelo maracatu, pelo coco e pelo jongo, integrantes do cortejo desfilam vestidos de orixás.

A diretora artística do grupo, Mafalda Pequenino, 46, enxerga o espetáculo como uma "ópera negra popular". No colorido de seus trajes, na magia dos seus tambores, a apresentação desperta uma espécie de catarse na plateia.

Muita coisa acontece no Carnaval de São Paulo. Assim como acompanhar os blocos, tentar mapear seus ritmos é uma tarefa hercúlea, em meio à retomada da maior festa popular na maior metrópole do país.

"Não imaginava que fosse encontrar música africana, latina, caribenha, MPB, country americana, tudo num mesmo evento", surpreendeu-se o empresário chileno Jaime Gonzáles, 31, que veio pela primeira vez ao Carnaval de São Paulo. "Essa riqueza cultural me impressionou em demasia. Pensei que fosse só samba."

Não, não é. O Carnaval é uma festa aberta, receptiva. Impor regras, ritmos ou gêneros musicais seria, na verdade, um gesto anti-carnavalesco, na opinião de Luiz Antonio Simas, escritor, professor, historiador e compositor. "No Carnaval, vale tudo", diz ele. Essa mistura, esse encontro de ritmos, é uma "reação sadia de multiplicidade e pluralidade, coerentes com o espírito do Carnaval", explica Simas, autor de "Dicionário da História Social do Samba", com Nei Lopes.

Simas reforça que o Carnaval não tem nada de "festa da alienação". Pelo contrário. "O Carnaval é como uma esponja. Está conectado a tudo aquilo que está acontecendo na conjuntura social e cultural do Brasil e do mundo. Essa pluralidade musical é rica."

Vai do reggae caribenho ao samba de roda, do tecno moderno britânico às marchinhas antigas, é do tipo "toca tudo o que você gosta", brinca o músico André Albuquerque, 40, um dos fundadores do Nóis Trupica Mais Não Cai.

Criado em 2006, o bloco surgiu após um grupo de amigos paulistanos assistir a ensaios de maracatus e caboclinhos no Recife. Em seguida, eles se encantaram com as tradicionais marchinhas de São Luiz do Paraitinga (SP), gênero de música popular logo adotado por eles. "É a nossa influência direta", confessa Albuquerque. "Que, por sinal, está ligada a antigos bailes dos clubes paulistanos quando São Paulo ainda não tinha um Carnaval para chamar de seu."

Pois agora tem. "Mas como ainda é novo, se comparado aos Carnavais de rua de Salvador e Recife, por exemplo, o Carnaval de São Paulo é uma espécie de reverência a outros Carnavais", defende a cantora paulistana Mariana Aydar.

Assim como a cidade que nunca para, "é um Carnaval que está em construção", diz ela, responsável por arrastar uma multidão, na segunda (20), pelo centro histórico de São Paulo, com o seu Forrozin.

O projeto nasceu em 2018 da vontade de celebrar a comunidade e a música nordestina. "Tem baião, xote, maracatu, axé, forró pé de serra. Ritmos que precisam ser lembrados e celebrados. Afinal, São Paulo foi uma cidade construída pelos nordestinos", afirma Mariana, ela mesma, uma forrozeira.

Neste Carnaval, não há como negar, o Nordeste e sua cultura foram os grandes homenageados da festa, tanto em São Paulo como no Rio, em blocos assim como em escolas de samba.

Talvez aqui caiba um reparo. O axé baiano clássico dos anos 1980 e os sambas históricos, de Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, também embalaram com força os foliões de blocos.

Na visão de Mariana, o Carnaval paulistano abriga muitos ritmos porque aqui tem muita tribo, com gente de todos os cantos, não só do Brasil.

Toda essa diversidade pode ser, justamente, uma das características que vão ajudar a moldar, a criar, um Carnaval que ainda está começando. E que, veja bem, ainda não acabou.

Neste fim de semana, o Navio Pirata, do BaianaSystem, atraca na região do Ibirapuera, no sábado (25), com a sua arrojada experimentação sonora. A guitarra baiana, instrumento criado pela dupla Dodô e Osmar nos anos 1940, e, vale lembrar, responsável pela criação do trio elétrico, junta-se a bases de dub, numa fusão do gênero jamaicano com ritmos afro-brasileiros.

É Bahia, Inglaterra, Jamaica e Caribe, tudo no mesmo lugar ao mesmo tempo.

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