As coincidências são maravilhosas. Minha agenda coincidiu com o pré-lançamento de "A Mulher Rei", com a atriz Viola Davis, protagonizando a general Nanisca, que comanda a guarda real das Agozjie, mulheres que protegem o reino de Daomé. Combinei com Viola levar mulheres das favelas para ir ver o filme.
No Rio, uma energia contagiante contagiou aquele encontro de gerações, com tantas referências, como Conceição Evaristo, Antonio Pitanga, Lázaro Ramo e Taís Araújo, só para citar alguns.
Num diálogo do filme entre Nanisca e sua filha Nawi, não consegui distanciar a general das milhares de mulheres pretas brasileiras que encontrei nos anos de pandemia, protegendo seus filhos, matando suas lágrimas e mantendo a unidade e o equilíbrio do seu povo.
Lembrei-me de dona Fátima, minha mãe, que criou seus filhos e os protegeu a seu modo e dentro das suas limitações. Ao sentir isso chorei.
Chorei um choro de redenção, de paz, de reencontro comigo mesmo. Foi como se jorrasse esperança naquela choro. A meu lado, a jornalista Flávia Oliveira apertou fortemente minha mão. Senti a força dessas mulheres pretas que fazem e acontecem, a despeito da violência, do machismo e da misoginia desta pátria hostil.
Em São Paulo, chamamos mães das favelas para a pré-estreia. Algumas não tinham como ir porque moravam longe; outras não tinham com quem deixar seus filhos; outras, exaustas por causa de suas jornadas, não se permitiam duas horas para poder curtir um ócio prazeroso.
Então, mesmo com o nosso exército de mulheres reduzido, a minha líder Maura, da favela do Heliópolis, conduziu a tropa feminina ao escurinho do cinema, com direito a pipoca e refrigerante.
Na Bahia, eu estava de passagem marcada para chegar certo dia ali, na terra de todos os santos, pois no dia seguinte receberia o título de cidadão soteropolitano.
Fui recepcionado por Daniela Mercury e Malu Mercury, que no seu estúdio me presenteou com uns sons do seu novo disco e com um convite para um feat comigo e com Celso Athayde.
A sessão foi linda e emocionante, pois dona Antonia, mãe da nossa líder Danúbia de Suçuarana, foi ao cinema. Muitos poderiam faltar, menos ela.
E o resultado foi aquela explosão de emoção e de identificação com Nanisca. Novamente eu me derreti, aos prantos, ao lado da nossa mulher-rei, Margareth Menezes.
Os dias ficaram completos quando encerrei nossa trajetória em Salvador na sessão solene lotada de mulheres e homens das favelas da Bahia. Foi ali que me deram a honra de me tornar um cidadão soteropolitano.
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