Priscilla Bacalhau

Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas

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Priscilla Bacalhau

Entendendo São Paulo

Quando cheguei, pouco entendia da cidade; mas, depois de um tempo, é praticamente impossível não encontrar sua tribo

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Quando eu cheguei em São Paulo, eu nada entendi.

Não entendia porque na padaria onde eu compraria pão todos os dias, ninguém respondia quando eu dava bom dia. Sentia falta de conseguir ver a lua ou estrelas no céu, astros frequentemente escondidos por nuvens, prédios ou poluição. Estranhei o hábito de sempre deixar a esquerda livre nas escadas rolantes do metrô, mas confesso que achei uma prática brilhante desde o início.

Vista aérea de parte da Av. São João (esq.) e do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, na região central de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Quando eu cheguei em São Paulo, eu pouco entendi.

Não entendia por que havia tanta pressa para chegar aos lugares, se no destino as pessoas provavelmente ficariam muito tempo aguardando em uma fila. Não entendia a necessidade de caminhar tão rapidamente pela avenida Paulista —mas, na verdade, não demorou muito para eu seguir o mesmo ritmo.

Fui para São Paulo para continuar os estudos, e achava bem estranho ser a única da minha turma a ter feito faculdade no Nordeste. Havia lacunas na minha formação básica em comparação com colegas vindos de outras regiões, e a gente aprende a correr atrás e provar que não deve nada a ninguém.

Quando eu cheguei em São Paulo, ninguém me entendia.

Aprendi a disfarçar o sotaque e suprimir expressões regionais do meu vocabulário para tentar me fazer entender. Demorei a fazer amizade com paulistanos, porque eles não pareciam ter tempo para novos amigos.

Aprendi que os mercados que eram chamados de "casas do Norte" no centro da cidade vendiam produtos do Nordeste, e não do Norte. E desde então nunca mais passei vontade de cuscuz ou bolo de macaxeira. A goma de tapioca era especialmente boa, pois já tinha ouvido que a tapioca tradicional tinha que ter leite condensado (fiquei imaginando o que as tapioqueiras de Olinda diriam disso).

Comecei a perceber que o mercado de trabalho dá muito mais valor a alguém que tenha estudado em São Paulo. Na busca por emprego, sentia que minha formação prévia de pouco valia: o que importava é que agora eu estava no "centro do mundo".

Imigrar nunca é fácil. Viver longe da família, sem conhecer ninguém e ter que conquistar seu espaço sem ter a menor ideia de qual é o caminho das pedras. Mas, depois de um tempo em São Paulo, é praticamente impossível não encontrar sua tribo, pois a cidade abriga todas elas. Até o sotaque e o vocabulário voltam, pois fazem parte de nós. Passamos a nos ver em São Paulo e a ver São Paulo em nós, como um espelho de Narciso.

Aos poucos, alguma coisa passa a acontecer no coração quando cruzamos a famosa esquina. A partir daí, onde quer que estejamos, o clássico de Caetano Veloso vai emocionar.

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