A França entra em campo nesta terça-feira (22) contra a Austrália, para defender seu título mundial, apenas três dias depois do anúncio da lesão muscular de Benzema. Há dois lados desse drama.
Lamentam o técnico Didier Deschamps e a torcida a ausência do recém-eleito melhor jogador do planeta. O jornal L’Equipe apresenta uma visão diferente, ao lembrar que há suposta crise de liderança no vestiário desde o retorno do craque do Real Madrid à seleção. Os repórteres Hugo Delom e Damien Degorre contam que um líder do vestiário afirma: "Agora temos um time de soldados em torno de Kylian [Mbappé]".
Impressiona perceber como a França perde cinco referências e continua tendo jogadores especiais. Saem Benzema, Pogba, Kanté, Kimpembe e Nkunku. Ficam Mbappé, Dembélé, Griezmann, Camavinga, Tchouaméni e Upamecano.
Há uma razão para esse sucesso que vem desde a década de 1990. Gerações de jogadores passaram pelo centro de formação de Clairefontaine, idealizado por Gérard Houiller. O treinador foi campeão da Copa da Uefa pelo Liverpool, em 2001, e desclassificado com a França nas eliminatórias para a Copa de 1994, sofrendo duas derrotas para Israel e Bulgária, quando tinha a vaga quase assegurada.
Passaram por Clairefontaine gerações de Thierry Henry a Marcus Thuram, filho do zagueiro campeão de 1998 Lilian Thuram. Mbappé esteve em Clairefontaine entre 2011 e 2013, dois anos antes de estrear no Monaco II. Seu irmão mais novo, Ethan, tem 15 anos e não foi ao centro de formação da federação por escolha da família. Preferiu fazer seu aprendizado em Paris.
Aprendizado. A França aprendeu a jogar futebol na escola. Em parte, é verdade, porque não se ensina a ser craque.
É impressionante como franceses e brasileiros são maioria em quase todas as rodadas da Liga dos Campeões. A França por formar jogadores na academia, o Brasil por extrair da quantidade da população a qualidade que se espalha pelo planeta.
Mbappé não é emblema apenas do craque lapidado na universidade. É também símbolo da França multifacetada exposta no velho filme "Entre os Muros da Escola", de Laurent Cantet, em que um professor lida com a falta de educação e os conflitos étnicos dentro de uma sala de aula.
Mbappé é um negro de Bondy, subúrbio norte de Paris, relativamente perto de Saint-Denis. Em Bondy, há um ano, um garoto chamado Aymen, de 15 anos, foi assassinado a tiros depois de discutir com dois irmãos de 17 e 27 anos. Briga de rua.
Benzema é descendente de argelinos.
Na Copa do Mundo de 1998, depois de fechar o jornal, eu dirigia um carro por dez minutos para comprar sanduíches num pequeno restaurante, perto de Ozoir-la-Ferrière, onde treinava a seleção brasileira.
Na madrugada francesa havia sempre três funcionários, um tunisiano, um marroquino e um argelino. Torciam contra a França e contra o Brasil. O Marrocos estava na Copa, no mesmo grupo da seleção de Ronaldo.
Se tiver oportunidade de viajar, faça o exercício de descer em Paris e ir ao centro de metrô, em vez de uber. Você verá uma cidade diferente da Champs-Elysées. Ajuda a entender por que se diz que o vestiário francês tinha conflito de hierarquia com Mbappé e Benzema juntos.
A França continua sendo candidata ao título, mesmo depois de perder Pogba, Kanté, Benzema, Kimpembe e Nkunku.
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