Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Guerra do botox contra o coronavírus une a família Kogos

A dermatologista Ligia Kogos mantém a clínica aberta e filho milita contra isolamento social

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A médica Ligia Kogos invocou o juramento de Hipócrates para defender a abertura da clínica de dermatologia e estética que leva seu nome e tem aplicação de botox como carro-chefe.

Seu marido, o ginecologista Waldemar Kogos, 79, manda “os comunistas idiotas (pleonasmo)” se conformarem ao defender o uso da hidroxocloroquina como método preventivo contra a Covid-19, remédio receitado para todos os funcionários, de forma que a clínica nos Jardins, zona nobre de São Paulo, continue funcionando durante a pandemia.

O economista Paulo Kogos, 31, filho da casal, segurou na alça do caixão do “enterro político” do governador João Dória (PSDB), amigo da família, em protesto na avenida Paulista contra o isolamento social, medida que visa conter a disseminação do coronavírus.

Ligia Kogos - Greg Salibian-1.jun.2017/Folhapress

O trio empreende uma guerra muito particular. A matriarca, com seu título de “a rainha do botox”, enfileira-se a favor da toxina botulínica para suavizar rugas e marcas de expressão mesmo em tempos de reclusão.

Ao defender a mulher, o patriarca, formado pela Escola Paulista de Medicina, colocou-se na trincheira por uma substância que ainda não tem eficácia comprovada contra a Covid-19.

Já o herdeiro, auto-intitulado anarcocapitalista, ultra-reacionário e católico apostólico romano, está na luta contra a quarentena como ativista e youtuber.

Em entrevista à Folha, Ligia Kogos defendeu o funcionamento da clínica na sofisticada avenida Brasil com o argumento de que a clientela precisa de cuidados. Diz ter passado noites em claro pesquisando sobre a controversa profilaxia da cloroquina, que receita para amigos, médicos e equipe, além dos empregados domésticos.

O medo diminuiu o movimento, mas a quarentena também resultou em novas queixas. Ela relata casos de pacientes com irritações nas mãos e ressecamento na pele por higienização excessiva ou contato com produtos de limpeza, dada a dispensa de faxineiras. “Digamos que são efeitos colaterais da quarentena.”

Recebeu apoio público do marido, após a saraivada de críticas e de xingamentos nas redes sociais. Waldemar postou nota no Instagram no domingo (19). “Ligia e eu, nos últimos tempos, nos aprofundamos nos estudos da Covid-19 e da hidroxicloroquina. Receitamos o que julgamos benéfico quando solicitados, visando a saúde e a segurança das pessoas”, escreveu o ginecologista.

Para além da discussão médica, o filho do casal se embrenhou em um debate político-ideológico, resumido na hashtag #foradoria. Depois de fazer o enterro simbólico do governador de São Paulo, ele postou um vídeo se desculpando.

Recuo tático de quem continua chamando atenção para o "doriavírus" e elenca sintomas como paralisia nos bolsos, usando uma série de trocadilhos para condenar o fechamento do comércio e outras medidas restritivas em razão da emergência sanitária.

Paulo posa de metralhadora em punho na foto do perfil no Instagram. Aparece caracterizado de templário e guerreiro Vikin, em odes à Idade Média, e fazendo arminha com as mãos.

Paulo continua no ataque em seu canal no YouTube, que tem 119 mil inscritos. O vídeo Contra o Coronavírus, Sejamos Politicamente Incorretos já teve mais de 44 mil visualizações. “A melhor arma contra o coronavírus é ir contra a palhaçada que virou o mundo moderno”, prega o estudante de filosofia.

Aluno na faculdade do Mosteiro de São Bento, ele defende separatismo, a volta da Inquisição e das Cruzadas. “Um vírus pouco pior do que uma gripezinha está causando esse pandemônio”, avalia, antes de descer o malho no laicismo, no socialismo e na ação de governos, mídia e Organização Mundial de Saúde. “A OMS deveria ser militarmente extinta por comandos armados”, defende o filho único de dois médicos.

A seguir as principais trechos da conversa de Ligia Kogos com a Folha, nesta terça-feira (21).

Paulo Kogos - Foto: paulo.kogos no instagram

Folha - Por que a clínica Ligia Kogos está aberta na pandemia?

Ligia Kogos - Nunca fechamos, como esperado por sermos uma clínica médica e estarmos entre os serviços essenciais. Meu marido continua atendendo normalmente. Até pode haver confusão, como ficou demonstrado em algumas manifestações desrespeitosas a meu respeito, de gente que não sabe que dermatologista é médico. É preciso se formar em medicina, além de três anos de especialização.

Ligia Kogos - Foto: ligiakogos no instagram

Folha - As críticas são ao fato de manter o atendimento estético em um momento de isolamento social?

L.K. - Atendemos as mais diversas patologias, alérgicas e infecciosas. Tem uma parte estética, de conservar, manter e melhorar aspectos relacionados à aparência. Continuamos a fazer isso com orgulho. Algumas pacientes vêm à clínica constrangidas para fazer um peeling, mas ficam felizes por estamos atendendo.

Folha - E a procura por botox é grande?

L.K. - O movimento global da clínica obviamente diminui. Em vez de sair 1h da manhã do consultório, saio 20h30. Passo parte da manhã tirando dúvidas pelo telefone com pacientes que não querem sair de casa.

Folha – Como a equipe se previne para trabalhar no meio da pandemia?

L.K. – Esse ponto é polêmico. Eu e todos os dermatologista temos experiência com o hidroxocloroquina, que faz parte do receituário nosso. Usamos para algumas doenças. Uma das mais conhecidas é o lupus eritematoso sistêmico.

Folha – Seu marido saiu em sua defesa, mas não é ainda comprovada a eficácia para a Covid-19?

L.K. – Ele é um homem à moda antiga e se sente na obrigação de defender uma dama de um ataque. Foi meu professor na Escola Paulista de Medicina. Trata-se de um medicamento que existe há 50 anos. Previne contra a malária. Todos os médicos que iam participar do Projeto Rondon, por exemplo, tinham que tomar 15 dias antes de ir para a Amazônia. Receitava para amigos que iam pra lá passar férias que não fossem chiques, fazer algum voluntariado.

Folha - A senhora está fazendo essa prevenção?

L.K. – Eu me preocupava com meu marido, que sempre pega gripe a despeito da vacina. A partir de 14 de março, passei noites em claro estudando a profilaxia por causa dele. É do grupo de risco pela idade e por ser médico. Levantei alguns trabalhos na Índia e um estudo espetacular da Universidade de Medicina do Ceará. São professores de reputação reconhecida. Baseada nisso, ele entrou em um esquema profilático a partir de 15 de março. Depois, fui me aprofundando e uns dez dias depois decidi entrar com a medicação para toda a equipe. O grupo de risco não se restringe à faixa etária, mas a todos os profissionais de saúde.

Folha – Todos os funcionários e familiares estão tomando desde então?

L.K. - Desde a funcionária que desempenha tarefas mais simples, manobristas, seguranças até as empregadas domésticas em casa. Ninguém se recusou a tomar. Os mais simples vieram me agradecer. E comecei a tomar também. Acredito que funciona. Fizemos um esquema profilático básico, sujeito a modificação de acordo com o caminhar da carruagem.

Folha – Seus pacientes também estão tomando?

L.K. - Prescrevi para pacientes médicos. E para alguns outros que me solicitaram a receita. Não temos nenhum caso de Covid-19 na equipe nem entre pacientes.

Folha – Como a senhora vê o ativismo do seu filho e as críticas dele ao Dória?

L.K. – Paulo sempre foi muito inteligente para o bem e para o mal. Aprendi muito com ele sobre liberdades individuais, política. Ele tem uma cultura impressionante, extraordinária. Quando ele tinha 4 anos, ligava pra ele se precisasse saber de alguma coisa. Uma vez, eu ia dar uma entrevista e queria saber quais eram os países pelos quais passava a linha do Equador. Liguei para o Paulinho, e ele sabia. Ele tem orgulho de manifestar suas ideias. Nem sempre é o mais diplomático. Ele se manifestou contra a quarentena de maneira um pouco contundente demais. Tenho relação de amizade com a família do governador. Ele poderia ter emitido a opinião dele de forma mais polida. Por isso, fez retratação.

Paulo Kogos - Foto: paulo.kogos no instagram

Folha – A senhora também faz campanha contra o isolamento social?

L.K. - Eu não sou especialista nisso. O conhecimento é algo que respeito muito. O meu vai até certo ponto. Não vai além para emitir opinião em termos de saúde pública. Recebi mensagens de dois pacientes empresários que sofreram infarto e estou vendo o drama de agricultores, plantadores de flores. Gostaria muito que esse isolamento se tornasse vertical.

Folha – O que uma pandemia como Coronavírus pode nos ensinar?

L.K. – Não há nada que não nos ensine alguma coisa. Já passamos por algo parecido em 2009, por ocasião da H1N1, quando tive congresso cancelado. Como gosto muito de história, eu me lembro de quando era criança de duas tias avós que me contavam sobre a gripe espanhola, de 1918. Elas eram jovens na época e lembravam de uma médica muito fina e bem-vestida cujo pai a levava de carruagem para atender os pacientes na região de Santo Amaro. Aquilo me impressionou muito. De certa forma, foi um dos fatores que contribuíram para eu ver o glamour da medicina.

Folha – A senhora disse que não tem medo do coronavírus, que teria um pacto com o demônio?

L.K. – Falei brincando, claro. Meu filho é muito católico e ficou horrorizado. Isso teve uma repercussão enorme, ruim. Tenho pacientes padres, faço questão de atende-los até para garantir meu lugar no paraíso. Mas é realmente uma característica minha. Não tenho medo de doença alguma. Fiz estágio em um hospital de hanseníase em Bauru. Eu comia no hospital, enquanto as outras residentes preferiam sair. Foi uma experiência única.

Folha – Tem acompanhado a escala da Covid-19 em países como os Estados Unidos, com mais de 30 mil mortes?

L.K. – Olha, eu acho que preciso perguntar para o Paulo. Eu sei que nos Estados Unidos é um problema sério. Tem muitos casos. Tem o enfoque político sobre imigração. Eu não tenho conhecimento. Vou me informar.​

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