Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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'Mulher não participa de decisão tomada no clube do charuto'

Ex-secretária de Desenvolvimento Econômico na gestão Doria deixa de concorrer à Câmara dos Deputados para abrir negócio na área de sustentabilidade

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São Paulo

Nesta semana, Patricia Ellen da Silva muda de casa e de cartão de visitas. Com o pedido de exoneração publicado no sábado (2), ela deixa o cargo de secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo.

Após três anos e três meses, a administradora de 43 anos vai se lançar em novo desafio profissional com a bagagem do setor público e de ex-consultora da Mckinsey.

Decidiu empreender na chamada economia verde, apostando na potência do Brasil como ator global.

Será sócia em novo negócio de impacto socioambiental e deverá formalizar em breve parceria com uma das maiores consultorias internacionais em sustentabilidade.

A ideia é atuar em regeneração de florestas, gestão em concessões de parques naturais e em distritos verdes, como o da Cidade Matarazzo, empreendimento do francês Alex Allard.

"Mudei tudo na vida", diz ela, ao explicar as razões de não aceitar concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados, eleição tida como certa. "Sou uma executiva."

Sem espaço no ninho tucano para voos maiores, decidiu sair junto com o governador João Doria, que tenta se viabilizar como candidato da terceira via à Presidência.

Sondada por outros partidos, não alongou conversa. "Lealdade é importante. A política nunca foi um fim, sempre foi um meio."

A seguir, a ex-secretária faz um balanço da pasta, fala da relação com políticos e da pandemia. Revela como superou uma depressão e definiu o futuro após pilotar um orçamento de R$ 22 bilhões em cargo estratégico no governo paulista.

Balanço

O crescimento acumulado do estado de São Paulo está em 7,5% em três anos, cinco vezes mais que a média nacional.

Tivemos recordes na lógica de atrair investidores privados. Mesmo com a pandemia, fizemos 12 missões internacionais e atraímos R$ 265 bilhões, 22% acima do triênio anterior.

Chegamos a US$ 40 bilhões em exportações. Abrimos quatro escritórios internacionais, além de criar 14 polos de desenvolvimento, que representam 80% do que é gerado na economia paulista.

Nosso orçamento em Ciência, Tecnologia e Inovação é o maior da história: R$ 21 bilhões. Cresceu 40%, enquanto o federal foi reduzido a um terço. E o orçamento direto da pasta mais que dobrou, chegando a R$ 1 bi.

Com empresas que se mudaram para o IPT, atraímos investimento adicional de R$ 380 milhões. Para cada real investido pelo setor público, atraímos mais três e meio do setor privado.

Inclusão

Em um dos países mais desiguais, não dá para falar só em crescimento.

Na minha carta de despedida falei muito de inclusão. Agradeci a confiança e a chance de poder lutar por um modelo de desenvolvimento econômico inclusivo, inovador e sustentável.

São Paulo cresceu, mas também empregou, empreendeu, investiu e incluiu. Um dos pontos de destaque foram os programas para mulheres. Foi o governo com maior percentual de mulheres no secretariado e 60% dos cargos de gestão.

A Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) é nosso maior case de inclusão. Quando cheguei, havia pouco mais de 30 mil matriculados. Hoje temos 70 mil alunos, metade mulheres, 65% arrimos de família, 90% são os primeiros da família a receber um diploma universitário.

Chorei do começo ao fim na colação de grau daquelas mães negras, empreendendo por necessidade e encontrando tempo para conseguir um diploma. É uma universidade que tem a foto do Brasil.

Gestão na pandemia

A pandemia acabou sendo um desafio pessoal também. Participei com o governador de praticamente todas as coletivas.

O período pré-vacina foi muito duro. O dia 21 de dezembro de 2020 foi um dos dias mais difíceis da minha vida, quando tive que dar a notícia de que não ia ter Natal.

Naquela coletiva, me veio à cabeça meu livro predileto, ‘Em busca de Sentido’, de Viktor Frankl, que fala de como as pessoas no campo de concentração tinham no imaginário que a vida ia melhorar no Natal. Todo mundo tinha esperança de que o Natal ia ser diferente.

Quando começa o efeito da vacina, vem outra fase difícil. Com os números melhorando, havia a dificuldade de comunicar isso. Críticas dos dois lados: fechou demais, abriu demais.

Ter uma gestão baseada na ciência foi importante. No meio da confusão, não se podia viver da opinião, do populismo.

Política x Políticos

Ouvi de um deputado que a política pode ser muito feia, suja. É o que temos visto no Brasil e no mundo. A polarização, a corrupção e a lacração. O que é pouco inspirador.

Mas quando você tem a chance de servir, é uma das profissões mais bonitas. Experienciei essa política do serviço público, focada na parceria, sem troca de favor.

Quanto aos políticos, separo de acordo com duas experiências bem diferentes. Tive uma positiva de um lado, com a autonomia e a confiança que o governador me deu. Ele acreditou nas mulheres. Encontrei no secretariado muitas pessoas inspiradoras.

E tem a má política ainda extremamente antiquada e machista, que também experienciei.

Infelizmente, o caminho que a política seguiu no mundo está dividindo as pessoas. Enquanto o modelo for expurgar o bom exemplo, não vamos mudar.

Atuei na lógica de fazer consensos. A briga junta um grupo contra o outro. E um só vence se o outro for derrubado.

Machismo

Nunca tinha sofrido tanto machismo e preconceito como na política.

Vivi situações curiosas, como o convite para um café feito por uma pessoa que tem um cargo importante no governo.

Ele virou para mim e disse que eu deveria parar de dizer que era vítima de machismo. Estava fazendo bem o meu trabalho e por isso os ataques.

Respondi: ‘Olha, são dois problemas diferentes e ambos têm a ver com machismo. O primeiro é este ambiente competitivo, que chega ao ponto de atacar quem faz bem o seu trabalho’.

Esse machismo estrutural existe até na forma de trabalhar. Não tem como as mulheres participarem de decisões políticas se elas forem tomadas à noite, no clube do charuto, nos infinitos jantares.

Nunca tive problema em seguir o ritmo do governador. Mas, em alguns momentos, participava de determinado fórum, voltava pra casa exausta à noite e descobria pela manhã que as decisões mudaram.

É um modelo que exclui a mulher do processo decisório. Existe também no setor privado, mas é mais intenso no público. E isso precisa mudar.

Por que as mulheres não passam de 20% em cargo de liderança? Ou você escolhe colocar seu filho para dormir ou ir a todos os jantares.

Espaço político

O feminino traz a sabedoria de entender o que se faz bem. Não sou legisladora. Precisamos de gente boa no Congresso, mas sou uma executiva.

Nunca a política foi um fim para mim, sempre foi um meio. Não seria correto concorrer a uma vaga de deputada para viabilizar uma próxima etapa. Tem pessoas com vocação para isso.

Alternativas não faltaram. Fui sondada por partidos, mas não me filiei a nenhum. Respeitei o meu perfil, de uma pessoa leal e comprometida.

Minha melhor contribuição para o governador João Doria são os casos concretos de entrega que fizemos. Eu e todo o time trouxemos exemplos para transformação que ele vai levar para a campanha pelo Brasil.

Depressão e desafios

Estou escrevendo dois livros. Um com David Uip [infectologista] e Marco Vignoli [secretário de Desenvolvimento Regional] sobre a experiência da pandemia e outro sobre liderança feminina.

No final do ano, estava com um quadro de depressão forte pelos desafios pessoais e profissionais.

Muita gente passou por ansiedade e depressão na pandemia. Foi a primeira vez na vida que pedi ajuda. É aquela coisa de reconhecer seu limite e sua vulnerabilidade. Estou bem melhor.

Como dizem os kitesurfistas, para frear tem de soltar a barra. A tendência é puxar. É uma briga entre a mente e a intuição. Se ouvir a pressão da mente, puxa. Estou na fase de deixar o coração fluir.

Futuro

Estou com um sentido de urgência grande, de um desafio que tem prazo: combater a desigualdade e regenerar nossas florestas.

O Brasil tem o maior ativo ambiental do mundo e virou pária. Meu sonho é que sejamos essa potência verde, humana e inovadora.

Vou empreender para viabilizar projetos e apoiar empresas para que em tempo recorde consigamos mostrar ao mundo que é possível dar esse salto sustentável e liderar a transformação verde global.

Fiz avaliação sobre os investimentos das empresas e vi como estão dispostas a trabalhar a pauta ESG e como estão pouco preparadas. Há vontade, recurso, mas avanços são tímidos.

Temos uma janela para mudar essa realidade. Precisamos dar passos concretos e em escala em três a cinco anos. Não dá tempo de esperar outra eleição.

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