"Vamos nos alegrar, esse homem ganhando só mostra que as escrituras estão se cumprindo. É o apocalipse", escreveu Luciana dos Anjos, no chat da transmissão ao vivo da Comunidade das Nações pelo YouTube, neste domingo (30).
Foi neste clima apocalíptico que muitos fieis da igreja de Brasília, onde a primeira-dama Michelle Bolsonaro foi ungida durante a campanha, receberam o resultado da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o terceiro mandato como presidente da República.
Muitos dos membros presentes apareciam na tela vestidos das cores da bandeira, sinal de que foram ao Culto da Família, às 19h, em uma das sedes da igreja no Setor de Indústrias na Capital da República, com a certeza de que iam celebrar e agradecer aos céus pela vitória de Jair Bolsonaro (PL).
Quinze dias antes, durante a Conferência Global 22 Renascimento, os líderes da igreja, bispos e pastores famosos no meio evangélico anunciavam em tom profético que o Brasil seria governado pela igreja com Bolsonaro reeleito.
Enquanto o Brasil acompanhava voto a voto a definição do pleito presidencial, os integrantes da banda gospel se apresentavam com hinos de louvor, vestidos com camiseta da seleção brasileira. A bandeira brasileira dobrada na lateral era o primeiro sinal de desapontamento com o resultado das urnas.
Nada está perdido. Se não vencemos ainda é porque não chegamos ao final
Coube a JB Carvalho, líder da Comunidade das Nações, animar o seu rebanho, visivelmente abatido. "Deus tem sempre uma saída. Nada terminou, nós estamos só começando. Jesus é o senhor dessa Pátria", disse ele, quando o TSE já anunciava Lula vencedor com 50,9% dos votos, ante 49,1 para Bolsonaro.
Em cerca de 40 minutos de sermão, o bispo focou numa mesma tecla. "Nada está perdido. Se não vencemos ainda é porque não chegamos ao final."
Nesse espírito de consolação, Carvalho prega que o povo de Deus não precisa da validação e apreciação dos outros. Conclama todos "a combater as trevas para fazer a Glória do Senhor resplandecer sobre o país".
Pede que cada irmão dê a mão para a pessoa do seu lado e repita: "Nós vamos nos sustentar nesse tempo, vamos nos erguer e vamos vencer". Declara que a igreja é invencível: "Enfrentamos o Império Romano, o comunismo, os tiranos, as forças das trevas".
E pede que o senhor abra "uma porta de livramento, de escape nesse dia" e convoca os fieis a continuarem marchando. "Vamos prevalecer contra o mal. Dai um novo turno, um novo tempo, queremos a tua vitória, Jesus. Tu sempre nos conduz ao triunfo. Celebramos a nação brasileira para ser o farol das nações".
O sermão é recheado de alusões à Teologia do Domínio, ideologia de um nacionalismo cristão, baseado nos fundamentos da fé e que defende a necessidade de influenciar todas as esferas da sociedade e ocupar espaços de poder.
Carvalho usou várias referências bíblicas para ilustrar a soberania de Deus, "mesmo em períodos de reinado das trevas". "Babilônia, com toda a sua estrutura, cairá", declarou, numa referência aos poderes ímpios que, acredita, prevaleceram com a vitória de Lula.
O conforto aos membros da Comunidade das Nações continuou na manhã da segunda-feira (31) numa live da bispa Dirce Carvalho, esposa de JB e líder de um plataforma de empoderamento feminino na igreja.
Às 9h45, ela inicia a transmissão convidando as irmãs para estarem diante da presença de Deus todas as manhãs "até que esse ano de 2022 termine".
Oferece uma profecia na vida de cada uma, em plena ressaca pela derrota do "Messias": "O Brasil tem um dono. Isso não mudou, não mudará. Deus continua sendo aquele que fez o Brasil para resplandecer e ser o luzeiro do mundo. O plano dele não mudou nem sobre nós nem sobre o país".
A bispa pede a paz de Cristo "sobre a nação brasileira, a nossa família e a nossa mente". "Ele é o Senhor no Brasil, tudo está sob controle. O diabo também trabalha para Ele, para cumprir certas coisas".
A derrota de Bolsonaro é vista como forma de fazer a igreja se unir ainda mais. "Deus está nos chamando para um relacionamento mais profundo, para ser a noiva dele, não a namorada. Não é sobre uma eleição, ganhar uma guerra. É sobre estar junto."
A mensagem de otimismo prossegue na linha de fortalecer a igreja brasileira qualquer que seja o presidente da República. " Não é sobre quem vai comandar debaixo do comando geral dele. Deus nunca saiu do comando. Ele é o único dono do futuro."
No encerramento da transmissão, acompanhada ao vivo por uma média de 280 seguidores, a bispa lembra um versículo bíblico: "o choro pode durar uma noite...". E conclui afirmando que o sentimento de tristeza vem e vai.
Não é hora de falar mal, jogar pedra em quem você considera inimigo. Independentemente do cenário, não é hora de manifestar a raiva e o sentimento de injustiça
Chama ainda irmãos e irmãs para seguirem na batalha espiritual. "Eu tenho um comando de Deus para você. A pandemia nos preparou para esse tempo. Ele tem uma missão para você".
Reforça o convite para vigília e oração nos próximos dois meses, período de transição do governo Bolsonaro para Lula. "Todos os dias pela manhã ou à noite, vamos cumprir nosso propósito. Não vamos jogar a toalha. Vamos nos levantar com Jesus."
A bispa aconselha os defensores de Bolsonaro a agir com calma e "como filhos maduros de Deus": "Não é hora de falar mal, jogar pedra em quem você considera inimigo. Independentemente do cenário, não é hora de manifestar a raiva e o sentimento de injustiça, mas de manifestar o amor, a alegria, a paciência, a longanimidade".
Fecha a mensagem dizendo que o "Brasil não precisa de mais dor, mas de pais e mães espirituais". "Como um filho que comete erro, o país precisa de compaixão."
Já o discurso do pastor Lucinho Barreto, um dos líderes da Igreja Batista Lagoinha e estrela da conferência que profetizou a vitória de Bolsonaro, foi menos diplomático.
A pandemia e a guerra que afetou a todos não foram suficiente para despertar espiritualmente o povo brasileiro
"Quando Deus quer punir uma nação, ele lhes dá governantes ímpios." A frase de João Calvino, teólogo francês e um dos principais líderes da Reforma Protestante, foi escolhida para ilustrar um post às 7h da manhã desta segunda.
"Aparentemente, a pandemia e a guerra que afetou a todos não foram suficiente para despertar espiritualmente o povo brasileiro que agora será disciplinado por Deus pela presidência de um homem corrupto, carnal, idólatra", escreveu o pastor.
Ao admitir a derrota, ele afirma que resta fazer oposição honesta ao novo governo. "Nunca serei como a esquerda que torce contra o Brasil quando o governante é de direita. Portanto, torcerei pela nossa nação sempre."
O pastor diz chorar "a derrota do nosso povo" e agradece a Jair Messias Bolsonaro "por nos fazer amar novamente o verde e o amarelo".
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