Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Há o caminho da frente democrática e o da autocracia com bolsolão

A frente do 'não' também é a do 'sim' à civilização

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Estaríamos, como país, dando um passo civilizatório a mais se uma frente ampla tivesse se formado, de caráter duradouro, tentando levar adiante um programa de, vá lá, "modernização" do Brasil. Essa palavra escrita entre aspas é sempre complicada, e eu não ignoro os sortilégios que traz, assim, embrulhada em papel de presente. "Modernos" à moda Paulo Guedes —esses reacionários que se vestem de liberais em festinhas, mas praticam canibalismo social em festins— acham "moderna", por exemplo, a não obrigatoriedade de corrigir o salário mínimo pela inflação.

Entendem que tal imposição legal seria uma forma de tabelamento da mão-de-obra, o que inibiria os investimentos. Sei. Num país em que pelo menos 34% dos trabalhadores ganham até dois mínimos —a depender da métrica, esse índice passa dos 50%— e em que 51,2% dos adultos (69,5 milhões) não concluíram o segundo grau, fazer pregação contra a correção é conversa de nababos que concentram renda enquanto os pobres flutuam só ao sabor do mercado.

Urna eletrônica que será usada na eleição - Gabriela Biló - 21.set.22/Folhapress

Veio a público nesta quinta, enquanto escrevo esta coluna, o apoio explícito do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à candidatura de Lula. Ela se segue à declaração de voto de praticamente todos os economistas que desenharam ou que cuidaram do Plano Real. O PSDB da social-democracia —pouco restou daquela história no aparelho partidário remanescente— se junta ao líder maior do PT, numa união que a história se esqueceu de celebrar há mais de 20 anos.

Se eu me dedicasse à atribuição de responsabilidades para chegar às causas de tal "esquecimento", estaria a abrir um oceano de mágoas. Por que o PSDB precisou do PFL para implementar o Real, em vez de fazê-lo com os progressistas do PT? Por que o PT teve de buscar o Centrão para a ampliação dos direitos sociais, em vez de contar com o suporte dos tucanos? Todos os países têm uma história de glórias e conquistas no capítulo das coisas que poderiam ter sido e que não foram...

O que não se conseguiu operar em tempos de maior fartura democrática, convenham, realiza-se agora à beira do abismo. E, insisto, não faço essa observação com os olhos de um Catão a vituperar contra os erros do passado. O moralismo é sempre reacionário. Miro o futuro. Precisamos tentar compreender por que metade dos que votam — pouco mais ou pouco menos, e isso fará uma diferença enorme — condescende, quando não compactua, com a truculência, com a discriminação e com a necropolítica.

Haveremos de identificar o que eu ousaria chamar de a "genealogia da impiedade". É evidente que a história do Brasil sempre foi mais cruel do que a beatitude de manual. Mas não há como ignorar que, a partir de um determinado ponto, também se foi perdendo o pudor. E, como escreveu Castro Alves em "O Navio Negreiro", os desgraçados, hoje, não encontram na sociedade, com frequência, mais do que o "rir calmo da turba que excita a fúria do algoz".

A mais recente pesquisa Datafolha e outras que a antecederam não nos permitem antecipar se a maioria dos votantes escolherá a resistência democrática ou dará mais quatro anos (só isso?) ao arruaceiro que ataca o estado de direito e ambiciona o autogolpe. Bolsonaro cometeu uma penca impressionante de crimes na boca da urna (também) para voltar a ser competitivo. E seus esbirros aplaudem o seu destemor e a sua determinação em transgredir os limites que lhe impõe a Constituição.

Assim, seria perfeitamente justificável que se tivesse criado uma frente ampla que, em princípio, se afirmasse apenas negativamente. Não haveria nada de errado em que as pessoas se unissem contra o que não querem. A alternativa é a autocracia com "bolsolão".

Na "Carta para o Brasil do Amanhã", Lula escreve: "O Brasil não pode ficar entregue a pessoas que questionam nosso processo eleitoral, procurando criar condições para golpes e aventuras totalitárias. O Brasil não pode estar submetido a um governante que agride sistematicamente o STF e o TSE e já ameaçou fechar o Congresso".

Ou pode? Assim, o que se tem também é uma frente ampla do "sim". Sim à civilização.

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