Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Vença Lula ou Bolsonaro, os democratas terão de ir para a resistência

As redes acordaram a múmia reacionária no Brasil e no mundo

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Nunca achei, e escrevi isto aqui mais de uma vez, que a eleição seria um passeio. E parecia claro que a realização de um segundo turno daria azo a sortilégios e indignidades. Estão aí, na cara de toda gente. Não viu quem não quis ou quem resolveu dançar o minueto com o desastre de olho em 2026. Aquele 1,57 ponto percentual que faltou a Lula no dia 2 levou o país a olhar para o abismo. E agora o abismo olha para o país. Ainda que Bolsonaro seja derrotado, miasmas do vale-tudo empestarão o futuro.

Inexiste um confronto de opostos simétricos. Essa tese é uma farsa. Também a adesão dos economistas do Real a Lula me diz isso. Outros adversários históricos do PT, que talvez migrem para a oposição no dia seguinte à posse se o ex-presidente vencer, decidiram: "A democracia em primeiro lugar". Afinal, são raras as ditaduras que não proclamam "Deus acima de todos".

O ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro durante debate da último domingo (16) - Rahel Patrasso - 16.out.22/Xinhua

Sempre considerei Bolsonaro um adversário perigoso não porque reconheça virtudes em seu governo. Ao contrário. Justamente porque comandou uma gestão nefasta, não haveria de fazer distinção entre o legal e o ilegal, o legítimo e o ilegítimo, o moral e o imoral. E não faz. Convém notar que a disputa é apenas o seu Plano B. A primeira disposição era o golpe. Manteve a sua tropa unida com a tese conspiratória sobre as urnas. Obrigado a competir —o Centrão não topou a porradaria—, vimos entrar em ação a mesma máquina de desinformação que atuou em 2018, mas agora agigantada por recursos públicos.

O centrão tinha algo potencialmente mais eficaz a testar do que a virada de mesa: sucessivos golpes legislativos. No primeiro caso, Arthur Lira e Ciro Nogueira poderiam terminar na cadeia. Sendo como é, ficaram com a chave do cofre. A tropa comandou a agressão à Constituição, à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei Eleitoral para interferir nas urnas. Com as bênçãos de Paulo Guedes. Anotem aí: Bolsonaro está criando a jurisprudência dos sem-limites. Depois de 2022, será muito difícil definir o que não pode fazer um governante em busca de um segundo mandato. Lula ainda resistir como favorito é um quase-milagre de sua biografia.

"Está triste porque ele vai perder, Reinaldo?" Quem disse que vai? Até acho que não. Meu ponto é outro. Quantos são os filmes, sempre muito ruins, em que, por distração ou ambição, exploradores acabam despertando uma múmia que morava nas catacumbas da civilização, mantendo aprisionados com ela todos os males do mundo?

Estou atento à composição futura do Congresso. Terei de lidar com ela todos os dias. Sabemos como funciona a indústria de "fake news" do bolsonarismo. As reuniões de família já não têm espaço para a rivalidade entre os primos. Certos valores torpes passaram a ocupar "todos os lugares privilegiados e importantes do espírito", como escreveu Musil ao indicar o curso de uma nova era.

Aquela senhora católica de Jacareí a gritar sua fúria contra o padre, durante a homilia, porque ele pediu uma oração em memória de Marielle informa que (mais Musil) "uma doença misteriosa devorou a pequena genialidade dos velhos tempos" — já muito pequena, insista-se. A mulher ordenava aos berros: "O senhor não vai falar de Marielle Franco dentro da Casa de Deus! (...) Uma homossexual, envolvida com o tráfico (...). Uma esquerdista do PSOL". A vereadora foi assassinada. Não tinha ligação nenhuma com o tráfico. Para tão piedosa devota, homossexuais e esquerdistas assassinados não merecem nem a sua oração. Eis a era das múmias despertas.

Elas não acordaram só no Brasil. Trata-se de um fenômeno das sociedades contemporâneas em tempos de redes sociais. E seu objetivo é justamente solapar o regime de liberdades, que, em nome de seus valores pluralistas, ainda se defende muito mal, permitindo que sabotadores, em nome dos deles, atuem contra a própria democracia. Quando o TSE decide agir, a exemplo do que fez com a correta resolução desta quinta, enfrenta críticas até de certos setores abobalhados da imprensa, que fecham os olhos para os inimigos da sociedade aberta.

Vença Lula ou Bolsonaro, os democratas viveremos dias de resistência. Vamos ver se ao golpe ou ao autogolpe.

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