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Lula 3 pode e deve ter economistas não petistas, diz Mantega

Segundo ex-ministro da Fazenda, neoliberais de hoje são mais próximos do PT do que de Paulo Guedes

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São Paulo

Para o economista Guido Mantega, a capacidade de mobilizar um pacto pela democracia é a grande marca da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste segundo turno das eleições presidenciais.

Ex-ministro da Fazenda nas gestões petistas —por oito anos à frente da pasta—, Mantega, afirma que o apoio espontâneo dos colegas de outras vertentes, como Arminio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan e Pérsio Arida, o deixou feliz. O gesto, diz, separa o joio do trigo no debate democrático, o que mais interessa neste momento.

Ex-ministro da Fazenda Guido Mantega; conselheiro econômico pessoal de Lula acredita em busca de consenso nessa área em um novo governo do petista - 21.07.22 - Ueslei Marcelino/Reuters

"Eles são economistas muito respeitados. Têm ideias diferentes das nossas, mas querem de fato que a democracia prevaleça", afirma. "Esse é o valor maior. Outras diferenças e contradições você resolve depois."

Segundo Mantega, esse depois, em um eventual Lula 3, tende a preservar o espírito da coalizão, uma característica das gestões do petista.

"Podem e devem aproveitar certos economistas que estão fora do PT", afirma ele. "Aliás, se você olhar, os governos do Lula, vai ver várias pessoas de fora, que entraram no governo por sua competência e pela capacidade de circular."

Mantega, porém, não tem expectativa de voltar ao governo. Atua hoje como um conselheiro econômico pessoal de Lula, função que o aproximou do petista ainda em 1993.

"Enquanto Lula quiser, estarei fazendo aconselhamento, mas não serei ministro ou coisa parecida."

O sr. acompanha a campanha. Qual o seu diagnóstico deste segundo turno? Fica claro que há um contraste entre duas candidaturas. Uma tem tendência autoritária, a outra segue as regras e respeita a Constituição.

A parte importante é que há uma adesão dos democratas, de vários partidos, ideologias e visões econômicas, à candidatura do Lula. Muita gente que já foi oposição ao PT está apoiando a campanha. Eu acho que a maior contribuição que o Bolsonaro deu ao país foi unir os democratas, mesmo que tenham visões diferentes. Vai se criando um pacto pela democracia.

Como o sr. recebeu o apoio a Lula dos economistas liberais, alguns deles responsáveis pela criação do Real? Estou falando de Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan e Pérsio Arida, que abriram o voto em nota conjunta. Eles são economistas muito respeitados. Têm ideias diferentes das nossas, mas querem de fato que a democracia prevaleça. O governo de Fernando Henrique contribuiu muito para consolidar a democracia. Esse é o valor maior. Outras diferenças e contradições você resolve depois.

Tem que ter diálogo, e você pode até chegar em posições comuns com essas pessoas. Fiquei muito feliz de vê-los se juntarem [a Lula]. Isso separa o joio do trigo.

Eles não têm nada a ver com a baixaria do que é o governo de Bolsonaro, que eu nem chamaria de neoliberal, porque os neoliberais não merecem estar no mesmo saco do Bolsonaro. Paulo Guedes não é muito, digamos, esclarecido sobre economia. Faz uma política econômica velha. É um neoliberal dos anos de 1980. Mas os neoliberais também evoluíram.

Quais seriam essas posições comuns com economistas do Real? Há vários pontos. A questão fiscal, por exemplo: todos nós somos favoráveis ao equilíbrio fiscal. A questão é como obter esse equilíbrio.

Mas é normal ter diferenças entre economistas. Existem várias escolas econômicas, que discutem entre si. Essa discussão é boa, porque ninguém é dono da verdade. você vai descobrindo a verdade na prática, recebendo críticas de seus adversários.

É claro que, quando você está no debate político, a tendência é realçar as diferenças. Durante muito tempo, PSDB e PT foram protagonistas da cena política brasileira. Eles tinham que se criticar. Um queria ocupar o lugar do outro na, digamos, social-democracia —um deles um pouquinho mais à esquerda, o outro menos.

Hoje, eu diria que temos muito mais em comum com esses economistas do que o pessoal do Bolsonaro. Nem sei se dá para dizer que eles seguem uma escola liberal. Bolsonaro faz o diabo. Ele nunca respeitou o limite de gastos. Ele atropela. Quer anarquia fiscal. Quer fazer o que quer.

Todos nós [economistas do PT e do PSDB] somos contrários a isso e estamos no mesmo barco nesse ponto de vista.

Havia a expectativa de que o PT promoveria um encontro com esses economistas. Houve uma movimentação inicial nesse sentido, mas foi interrompida. Não haverá mais encontro? O que ocorreu?

Não tenho informações. Mas agora a campanha entrou na reta final. Lula está muito ocupado, fazendo comícios. Ficou mais difícil organizar essas reuniões, e não sei se haverá tempo. Temos duas semanas para a eleição.

Essas reuniões podem ser feitas depois. Se pessoas com esse nível querem colaborar e ajudar a definir um programa que atenda a vários interesses e vários gostos, acho bom discutir. Como eu disse, ninguém é dono da verdade. Você vai encontrando caminhos. Eles podem contribuir para, digamos, chegarmos a um resultado legal.

Eu acho totalmente válido que, mesmo depois das eleições, fechadas as urnas, que você continue discutindo com esses economistas.

Entre os formuladores do Real, o economista mais próximo da campanha é André Lara Resende, o primeiro a abrir o voto em Lula. Nos anos recentes, ele publicou textos que são considerados uma mudança na sua visão econômica. Estive numa reunião pública da campanha da qual ele participou, e a deferência de Lula a ele chamava a atenção. Lara Resende está mais próximo do PT? Lara Resende mudou a sua concepção sobre política monetária e se encaixa em uma nova vertente internacional chamada MMT [sigla em inglês para Teoria Monetária Moderna].

Antigamente, ele era a favor de uma política neoliberal mais pura, digamos. Agora, acha que houve excesso de juros no Brasil. É uma posição nossa também. Então, ele se aproximou de uma parte dos economistas do PT.

Talvez a gente tenha ficado com o olhar viciado, à espera de referências na economia, já que Bolsonaro apresentou Paulo Guedes como o seu posto Ipiranga ainda durante a campanha, em 2018. No entanto, dá para dizer que não temos hoje referências petistas na economia. Quais são os economistas que representam o PT hoje? É preciso considerar que o Lula entende de economia. Posso dizer isso com a tranquilidade de quem trabalha com ele desde 1993. Quando governa, participa de todas as áreas. Na época em que eu era ministro da Fazenda e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, a gente discutia muito, porque divergíamos, e o Lula participava ativamente.

Foi por isso que ele nunca fez como o Bolsonaro, que não entende de economia —e dá para perceber. Bolsonaro precisava de alguém para explicar as coisas para ele.

Nós temos muitos economistas contribuindo na campanha. Abrimos para o debate público a formulação de linhas gerais do programa. Está na internet. Quem aparece mais é o Aloizio Mercadante, que é presidente da Fundação Perseu Abramo, mas vários economistas estão aí, participando. Há os integrantes da coligação, mas também tem os dos novos aliados. Serão incorporadas propostas de Marina Silva, do PDT de Ciro Gomes e de outros.

Assim que terminar a eleição, estarão todos envolvidos na transição e no, digamos, detalhamento dessas diretrizes já bem definidas.

Empresários e o chamado mercado financeiro, que reúne bancos, corretoras, instituições que acompanham os temas econômicos, têm reclamado a falta desse detalhamento agora, porque isso faz diferença sobre como será a gestão na economia. Por que isso ainda não ocorreu? Não tem detalhamento porque a gente vai ter de negociar muitas coisas.

Nós sabemos que o Orçamento que vai ser deixado pelo Bolsonaro não tem recursos para manter o mínimo, inclusive o Auxílio Brasil. Estimam que vai ser preciso uns R$ 60 bilhões adicionais para isso. Não tem dinheiro para o Farmácia Popular. Vamos deixar as pessoas morrerem por falta de remédio para hipertensão ou asma? Só aí faltam mais R$ 2 bilhões. Não tem recurso para investimentos.

Então, o novo governo vai precisar de um suporte, e vai precisar de uma coalizão política no Congresso para negociar mais de R$ 100 bilhões acrescidos a esse Orçamento —e isso para fazer o mínimo.

Nós queremos dar dinamismos à economia. Neste momento, ela está fazendo um voo de galinha porque o governo está injetando um monte de coisas, de modo que a economia fique aquecida passageiramente. Quando isso acabar, ela vai para buraco.

É certo, então, que haverá negociação para o que chamam de 'waiver', licença para gastar? Vai ter de eliminar o atual limite de gastos, substituí-lo por uma nova âncora fiscal e conseguir um recurso adicional, que vá além do atual limite de gastos. Com o limite que está aí, você não faz nada, não vai ter investimento, e sem investimentos o Brasil não cresce. O investimento público é importante para, inclusive, puxar o investimento privado. Vai precisar, por exemplo, de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões para ter a reconstituição do Minha Casa, Minha vida [rebatizado Casa Verde e Amarela por Bolsonaro], programa que hoje está zerado.

Já está claro que vamos fazer tudo isso, mas o Congresso vai ter de participar das negociações e das decisões que vão viabilizar um programa de recuperação da economia brasileira.

Lula já disse que não escolhe o ministro da Economia antes da eleição, mas falou que o ocupante do cargo será um negociador político. Diante de tudo isso que o sr. falou, podemos esperar alguém com esse perfil, para negociar essa agenda? A estrutura dos governos Lula sempre teve ministros políticos, e equipes em todos os ministérios para negociar com políticos. Mas, como nós conhecemos o Lula, sabemos que o grande negociador, quem tem capacidade para formar consensos, é ele.

Mas sobre essa história de ministro da Economia, eu duvido que ele já tenha pensado em alguém. Se Lula pensou, não contou para ninguém, nem para o travesseiro dele. Mesmo porque não há necessidade disso agora. Depois que passar a eleição, ele ainda vai fazer uma negociação para os ministérios. Num presidencialismo de coalizão, outros partidos participam do governo. Vai ter negociação. Existem muitos atores para papéis em vários setores.

Certas personalidades políticas e econômicas que estão fora do PT deverão participar. Podem e devem aproveitar certos economistas que estão fora do PT.

Aliás, se você olhar, os governos do Lula, vai ver várias pessoas de fora, que entraram no governo por sua competência e pela capacidade de circular. É preciso fazer toda uma arquitetura. Roberto Rodrigues, que foi ministro da Agricultura, não era petista de jeito nenhum.

O que me parece é que o mercado quer nomear o ministro da Fazenda. Querem lá pessoas com quem têm interlocução. Mas não é o ministro da Fazenda que faz o programa econômico. Ele é um executor do que foi definido pela candidatura. Então, podem colocar o ministro neoliberal de carteirinha, e ainda vai ser a política do Lula.

O mercado já tem o presidente do Banco Central, que na minha opinião é muito qualificado. O Lula foi um dos presidentes mais responsáveis em termos fiscais que já tivemos no país. Qual é o terror?

Qual o seu cenário para um eventual Lula 3? Vai ser uma mistura de crise de 2008, que o Lula enfrentou, com governo Dilma Rousseff [que sofreu com uma crise política], e um cenário internacional adverso. Vai ser preciso ser muito criativo para recuperar o crescimento, fazer superávit, recuperar a política social e fazer investimentos.

O sr. tem a expectativa de voltar ao governo? Enquanto Lula quiser, estarei fazendo aconselhamento, mas não serei ministro ou coisa parecida.


RAIO -X
Guido Mantega, 73

Natural de Gênova, na Itália, é doutor em Sociologia do Desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo), onde também cursou Economia e Ciências Sociais. Dedicado a vida acadêmica, é autor de inúmeros textos e professor de Economia da Escola de Administração de Empresas da Fundação Gestulio Vargas. Filiou-se ao PT em 1980 e iniciou a carreira pública na gestão de Luísa Erundina na Prefeitura de São Paulo. Integrou a coordenação do Programa Econômico do PT na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República em 1989. Em 1993, passou a atuar como assessor econômico de Lula, com presença permanente nas campanhas do partido. Com o PT no governo federal, foi ministro do Planejamento (2003-2004), presidente do BNDES em 2005 e ministro da Fazenda (2006 a 2014)

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