Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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'Big techs' escolheram a guerra e terão a responsabilização civil

E os algoritmos iam alimentando o Leviatã monetizado do caos...

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Com o adiamento sem data da votação do PL das Fake News, as chamadas "big techs" foram à guerra; colaboraram ativamente para submeter as respectivas cúpulas dos três Poderes —cujas sedes foram espetacularmente depredadas no dia 8 de janeiro— a uma humilhação temporária; deram uma demonstração pública de musculatura, evidenciando que detêm instrumentos para tornar influentes mesmo as distorções mais pavorosas, e estabeleceram ou renovaram uma aliança objetiva com extremistas de direita, compartilhando até vocabulário de exceção para depreciar o moderadíssimo texto do deputado Orlando Silva (PC do B-SP). Uns e outros acusaram a criação de um suposto "Ministério da Verdade" —apropriação indevida porque mal lida de "1984", de George Orwell— e o tal "vigilantismo", com sua indefectível inflexão de crítica supostamente progressista. Foi uma vitória de Pirro, como vou mostrar.

Não resisto, antes se seguir, a um chiste. "Vigilantismo"? Uau! Em dias menos crus, há muitos séculos morais e éticos, alguém sacaria do sovaco, no tempo em que ostentar livros rendia flertes de cumplicidade intelectual, com alguma esperança de troca de humores, um Michel Foucault. E se poderia dizer: "Oh, a paixão dessa gente por vigiar e punir". Mas esse trem já passou. É do tempo em que se empregava "chiste". Mesmo alguns grupos que se identificam como "progressistas" —e não estou contestando a autodeclaração— passaram o vocalizar a versão das gigantes da internet. Eles necessariamente sairiam perdendo, asseguraram as donas da bola, em razão da remuneração a empresas jornalísticas, também prevista no PL 2630.

Protesto, com mochilas escolares, pedindo a regulação das redes sociais no gramado em frente ao Congresso, - Pedro Ladeira - 2.mai.23/Folhapress

Já fiz esta observação em todo canto: para o meu gosto, não se misturariam as coisas. A necessária regulamentação das plataformas, redes e serviços de "mensageria" —eis um neologismo que não está nem no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa— é coisa distinta da tal remuneração. Deveriam estar em PLs distintos. Embora tema menor para as gigantes, serviu-lhes para ganhar aliados, a meu ver incautos, à esquerda. Escolha cada um o seu caminho.

A verdade é que a questão "fulcral" —em dias de "vigilantismo"— é outra. O busílis está na responsabilização civil das plataformas que abrigam a produção de terceiros. Sem tal imposição legal, elas se desobrigam, a não ser por critérios que lhe são próprios e pouco claros, do chamado "dever do cuidado", seguindo a sua rotina, também a de faturamento, pouco importando se é Gandhi ou um facinoroso qualquer a gerar engajamento.

Não deixa de ser emblematicamente contraditório que reivindiquem excluir conteúdos apenas segundo seus protocolos, mas se lancem numa cruzada contra uma proposta legislativa. A mensagem: "Conduzimos, não somos conduzidas; recusamos que o poder público nos diga o que fazer; mas nós lhe diremos o que não permitimos que faça".

Indague-se: "Mas não podem esses potentados dizer o que pensam?" Claro! Os indícios, no entanto, de direcionamento do debate —e o link publicado pelo Google em sua página inicial de busca é só a manifestação mais eloquente— desafiam a natureza pública do serviço que prestam. Volte-se ao ponto: as "big techs" poderiam ter ganhado o jogo, mesmo perdendo a votação, porque ajudariam a definir, por intermédio de outras leis, a aplicação dos fundamentos do PL. Mas não. São agora investigadas nos inquéritos 4781 (das fake news) e 4874 (das milícias digitais), cujo relator é Alexandre de Moraes.

A responsabilização civil ou será decidida pelo Legislativo ou será disciplinada pelo STF, no exercício pleno de suas prerrogativas. É mandamento constitucional, como sabe qualquer jurista. O Artigo 19 do Marco Civil (2014), que garante a inimputabilidade civil a "provedor de aplicações de internet", exceto se descumprir decisão judicial, é de inconstitucionalidade patente. Eram tempos um tantinho inocentes, e a coisa foi ficando lá, enquanto algoritmos iam alimentando o Leviatã monetizado do caos. O dispositivo só não é tão antigo, em termos de era, como o Foucault debaixo do braço e o chiste.

Entre a responsabilização civil negociada e a guerra, os candidatos a donos do poder escolheram a guerra. E terão a responsabilização civil.

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