Descrição de chapéu DeltaFolha Eleições 2022

O que faz um partido ser de direita ou esquerda: Folha cria métrica que posiciona legendas

Posição política se baseia em critérios como votação na Câmara, coligações e opinião de especialistas

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São Paulo


O que faz um partido ser de esquerda, centro ou direita? Seria a forma como seus parlamentares votam no Congresso? As pautas que seus representantes dizem defender? As alianças que fazem para governar? A percepção que especialistas têm sobre eles?

No Brasil, definir as 32 legendas registradas no TSE não é tarefa simples, e olhar um único fator pode trazer mais dúvidas que respostas, dadas as inúmeras contradições.

Isso porque uma legenda pode reunir parlamentares que pensam e votam de maneira distinta. No mesmo PSDB, os deputados Aécio Neves (MG) e Alexandre Frota (SP) votaram de forma diferente em 4 a cada 10 votações na Câmara.

Ao mesmo tempo, partidos costumeiramente adversários, como PT e União Brasil, podem estar juntos em uma mesma coligação, como a que tenta a reeleição do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).

Helder Barbalho aparece de camisa branca e fala ao microfone
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB); coligação pela sua reeleição tem 16 partidos e junta PT, PC do B, União Brasil, PSDB e PP - Alan Santos-13.ago.20/PR

Para posicionar ideologicamente os partidos, a Folha criou uma métrica que combina sete fatores: votação dos deputados da legenda na Câmara, coligações, autodeclaração dos congressistas, frentes parlamentares, opinião de especialistas, migração partidária e o posicionamento no GPS Ideológico da Folha, que se baseia nos seguidores do Twitter e passou por atualização neste ano (confira a metodologia completa abaixo).

O resultado é um ranking posicionado numa reta de 0 a 100, em que 0 representa a posição mais à esquerda e 100 a mais à direita.

Nessa régua, o PCO, de Rui Costa Pimenta, é o partido mais à esquerda, e o Novo, do presidenciável Luiz Felipe d'Avila, o mais à direita. O PSD, de Gilberto Kassab, ocupa posição central.

A métrica também reflete a polarização da campanha presidencial. O PT, de Luiz Inácio Lula da Silva, é a quinta legenda mais à esquerda do país. O PL de Jair Bolsonaro é o segundo mais à direita.

Para chegar ao posicionamento de cada partido, o modelo estatístico avalia como as siglas se comportam em relação a cada um dos sete quesitos, observando as situações em que se aproximam e que se afastam das demais e agrupando-as de acordo com esse comportamento.

Há casos, porém, em que o partido não pontua. A Rede, de Marina Silva, não tinha o mínimo de três parlamentares respondentes para que a métrica da autodeclaração seja válida, por exemplo. Esse quesito se baseia em pesquisa feita com congressistas em 2017 pela FGV e pela Universidade de Oxford.

Quando isso acontece, o modelo estima o valor do quesito faltante a partir dos demais e, aplicando os devidos pesos, calcula a métrica final.

Combinar os itens é vantajoso porque ajuda a mapear as diferentes dimensões de atuação política de uma legenda. Também diminui distorções causadas por fatores que afetam um ou outro quesito isoladamente, como sub representação no Congresso, pouca atividade em redes sociais ou métricas que podem se alterar ao longo do tempo.

A combinação revela que os partidos são razoavelmente coesos quanto ao posicionamento político. Os sete itens que compõem a métrica final se mostram fortemente correlacionados.

Há, contudo, alguns comportamentos divergentes que exemplificam as peculiaridades dos partidos brasileiros.

A votação na Câmara, por exemplo, pode expor mais a posição em relação ao governo que a posição ideológica em si. É o caso do Novo, que tem de 90 a 100 (muito à direita) em todos os quesitos em que pontua, mas 52 quando o assunto é o modo como os deputados votaram.

Isso acontece porque, a partir de 2020, o partido passou a se posicionar de forma contrária a parte das pautas governistas. Dessa forma, votou de maneira semelhante a legendas mais ao centro e na contramão do PL de Bolsonaro e do PP de Ciro Nogueira.

Novo e PSDB votaram juntos contra o governo, por exemplo, em destaque referente ao projeto de linha de crédito para pequenas e médias empresas durante a pandemia.

É a combinação com os outros fatores que leva o Novo ao extremo da direita —ele recebe nota alta no GPS Ideológico, nas raras coligações que compõe e nas frentes parlamentares em que seus congressistas se incluem.

Já o PDT vota quase sempre com a esquerda, mas, nesta eleição, fez coligações amplas, se unindo a legendas de diferentes espectros. É o caso da aliança para o Governo de Pernambuco, em que está ao lado de PP e Republicanos pela eleição de Danilo Cabral, do PSB.

Na categoria que mede a visão dos especialistas sobre a sigla, o partido do presidenciável Ciro Gomes fica na sexta posição mais à esquerda, com 17 pontos. O valor que recebe para as coligações, contudo, é 61.

Na média geral, os pedetistas estão na última posição da esquerda, à direita do PV e à esquerda do Solidariedade.

Outro ponto curioso diz respeito ao PL, que foi percebido pelos especialistas como mais à esquerda que o DEM (hoje fundido ao PSL para formar o União Brasil).

Esse quesito realça como alguns partidos podem mudar ao longo do tempo, a depender de quem passa a integrar seus quadros.

O levantamento foi feito com 519 cientistas políticos em 2018. Naquela época, o partido de Valdemar Costa Neto se chamava PR e não tinha em seus quadros Jair Bolsonaro, até então um deputado do baixo clero que ambicionava a disputa pela Presidência e estava filiado ao PP.

Quando foi eleito em 2018, Bolsonaro era membro do PSL, que deixou em 2019. Só chegou ao PL em novembro do ano passado, após a tentativa fracassada de criar uma legenda própria.

O GPS Ideológico, por sua vez, leva em conta o cenário do Twitter entre junho e setembro deste ano. Com isso, captura o fenômeno da debandada de bolsonaristas para o PL, acompanhando o movimento do presidente.

Nesse quesito, a sigla é a segunda mais à direita de todo o ranking. Está atrás apenas do PTB, do hoje bolsonarista Roberto Jefferson.

Entenda cada métrica e veja como elas se combinam

Frentes parlamentares
Uma frente parlamentar é uma associação de congressistas de vários partidos que buscam debater determinado tema. É onde ficam claros os interesses políticos dos parlamentares, que se juntam de acordo com suas áreas de afinidade.

Para essa métrica foram consideradas a composição das 352 frentes parlamentares do Congresso Nacional, ou seja, o número de parlamentares de cada partido que compõem cada uma das frentes da atual legislatura.

As legendas foram agrupadas de acordo com a forma como se juntam nas frentes. Parlamentares de Rede e PSOL, por exemplo, tendem a estar presentes nas mesmas frentes (não à toa ligadas a temas fortemente associados à esquerda). Estas, por sua vez, são diferentes daquelas em que congressistas do PL e do PP costumam marcar presença.

Para o cálculo do ponto ideal de cada legenda foi utilizada a função ca do pacote ca da linguagem de programação R, a partir de uma matriz em que as colunas são as frentes, as linhas são os partidos e os valores são o número de parlamentares.

Migração partidária
Embora haja diversos fatores que influenciem a escolha de um partido por um candidato, como espaço para disputar cargos relevantes, essa métrica revela que, na troca, os políticos tendem a escolher uma nova legenda que seja ideologicamente próxima daquela da qual estão saindo.

Para os cálculos, os partidos foram agrupados de acordo com o fluxo de movimentações de candidatos que migraram de legenda entre as eleições de 2020 e 2022. Foram escolhidos os pleitos mais recentes para que o resultado refletisse a proximidade mais atual entre as siglas.

Para o cálculo do ponto ideal de cada legenda foi utilizada a função ca do pacote ca da linguagem de programação R, a partir de uma matriz formada pelos partidos e cujos valores são o número de parlamentares que fizeram trocas entre eles.

Coligações
Pelas regras do TSE, partidos podem formar alianças para disputar eleições majoritárias, as chamadas coligações. Em caso de vitória, essas ligações são consideradas para a formação de um governo e distribuição de cargos. Com isso, é possível observar a que outras siglas uma legenda está disposta a se aliar.

No cálculo, foram consideradas a composição das coligações estaduais e federais formadas para a eleição deste ano. O ponto ideal de cada sigla foi calculado utilizando a função ca do pacote ca da linguagem de programação R .

Opinião de especialistas
A posição obtida se baseia no artigo "Uma Nova Classificação Ideológica dos Partidos Políticos Brasileiros", dos professores Bruno Bolognesi (Universidade Federal do Paraná), Ednaldo Ribeiro (Universidade Estadual de Maringá) e Adriano Codato (Universidade Federal do Paraná), publicado este ano na revista acadêmica "Dados".

O levantamento que origina o artigo foi realizado em 2018 com 519 cientistas políticos. Por meio de um formulário, os especialistas deram notas de 0 (mais à esquerda) a 10 (mais a direita) para cada um dos 35 partidos estudados.

Para a elaboração da métrica final, a reportagem utilizou a média dos valores obtidos no levantamento. No caso de partidos que se fundiram, o valor final é a média ponderada pelo número de deputados eleitos em 2018.

Autodeclaração dos parlamentares
A posição dos partidos é baseada no estudo "Pesquisa Legislativa Brasileira 2017", da FGV e da Universidade de Oxford.

O levantamento consultou 513 deputados e 81 senadores em exercício em 2017 e convidou-os a responder a seguinte pergunta: "vamos supor que nesta reta o número 1 corresponda à esquerda e o número 10 à direita. Como o(a) sr.(a) está vendo, uma pessoa que fosse muito de esquerda estaria no número 1, uma muito de direita, no número 10. Onde é que o(a) sr.(a) se colocaria?"

Foram consideradas as respostas dos 143 parlamentares que responderam a pesquisa e calculada a média por legenda. Foram removidos os partidos com menos de três congressistas respondentes.

GPS Ideológico

A métrica utilizada é a média do valor que os parlamentares de cada legenda obtiveram no GPS Ideológico, que calcula a posição de influenciadores com base nos seguidores do Twitter. A coleta dos dados foi feita entre junho e setembro.

Foram removidas contas que não tinham postagens posteriores a 2019 e não foram considerados partidos com menos de três parlamentares com contas ativas. No caso de parlamentares com mais de duas contas, foi considerada aquela com a publicação mais recente.

A metodologia utilizada foi desenvolvida pelo professor Pablo Barberá (Universidade do Sul da Califórnia) e descrita no estudo "Birds of a Feather Tweet Together. Bayesian Ideal Point Estimation Using Twitter Data". O artigo foi publicado no periódico acadêmico "Political Analysis", em 2015.

Segundo o método de Barberá, o ponto ideal (um valor dentro de um intervalo definido) dos influenciadores é calculado a partir de uma reta criada pela proximidade dos seguidores dos parlamentares.

Votação na Câmara dos Deputados
O cálculo considera todas as votações da atual legislatura e agrupa os deputados de acordo com o padrão de votação nos projetos. A média de cada partido foi obtida a partir da posição dos parlamentares. Legendas com menos de três deputados votantes foram desconsideradas.

Foi utilizada a função MCMCirt1d do pacote MCMCpack da linguagem de programação R.

Agregando os resultados

Como cada metodologia tem uma forma distinta de medição para posicionar os partidos, foi necessário padronizá-las para produzir um indicador único. Para isso, foi gerado um ranking para cada métrica, em que a primeira posição era ocupada pelo partido mais à esquerda e a última pela legenda mais à direita.

Como cada análise tinha diferentes números de partidos (seja porque havia mais partidos quando o estudo foi feito ou porque determinados partidos não tinham o número mínimo de parlamentares), esses rankings foram reescalonados de 0 a 100, de forma que, no fim, todos os estudos tiveram seus resultados dentro dessa escala.

Valores ausentes (seja porque o partido não existia quando o estudo foi feito ou porque havia menos usuários ou parlamentares que o necessário) foram estimados a partir de regressões lineares considerando as variáveis em que a sigla pontuou.

Os partidos foram agrupados em esquerda, centro e direita por meio do método k-means, utilizando a função kmeans da linguagem de programação R. Os agrupamentos dentro de cada espectro (centro-esquerda ou centro-direita, por exemplo) foram definidos a partir da proximidade das legendas em uma reta que melhor resume as interações entre as variáveis (análise de componente principal).

Erramos: o texto foi alterado

O valor da métrica de autodeclaração dos parlamentares foi incorretamente atribuído para o PCB, que não pontuou nesse quesito. O Cidadania, por sua vez, pontuou nesse item, diferentemente do que foi afirmado anteriormente.

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