Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu Coronavírus

Basta saber fazer contas para reconhecer a enormidade da tragédia da Covid-19 no Brasil

'Só se morre de Covid hoje' e 'deixa o vírus circular para chegar à imunidade de rebanho'; veja como combater essas mentiras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Minha última coluna foi uma tentativa de desmascarar algumas frases feitas da desinformação genocida sobre a Covid-19, as quais continuam a ser repetidas Brasil afora pelos suspeitos de sempre.

No presente texto, meu objetivo é continuar atacando as bases dessa Torre de Babel de mentiras, conclamando o gentil leitor a adotar uma estratégia simples: faça as contas. Quando a gente se detém por um minuto para somar 2+2 direito, as seguintes patacoadas se esvaem numa nuvem com cheiro de enxofre.

1) Morre 1,5 milhão de pessoas todo ano no Brasil! E daí que temos 300 mil mortos por Covid-19? Parece que hoje só se morre disso!
Não vou nem entrar no mérito da desumanidade e do desprezo à vida dos outros que esse tipo de argumento representa.

Diante de tal conversinha mole e dos números da pandemia, a gente só precisa saber uma única coisa: é normal que essa quantidade de gente morra por causa de uma doença infecciosa ao longo de 12 meses?

A resposta é um retumbante “não”. Nós já tínhamos virado essa chave faz décadas. No que diz respeito à saúde pública, a marca registrada de sociedades modernas como a nossa é o fato de que a maioria das pessoas morre de doenças crônicas —problemas cardiovasculares, câncer, diabetes— já na velhice.

Embora doenças causadas por vírus, como a Aids e a dengue, ainda assustem, a probabilidade geral de morrer por causa delas é bastante baixa. Confirmando essa tendência geral, os últimos anos de dados sobre mortalidade no Brasil mostram cerca de 350 mil mortes anuais causadas por doenças cardiovasculares e 250 mil pelas diferentes formas de câncer.

Isso significa, óbvio, que a ordem da grandeza da mortalidade por Covid-19 é suficiente para colocar a doença na segunda posição entre as causas de morte no Brasil. Todas as outras infecções pulmonares, somadas —um saco de gatos que inclui uma miríade de bactérias e vírus diferentes— matavam cerca de 80 mil pessoas por ano antes da pandemia.

Com essa escala, nessa velocidade, a ação mortífera de um único patógeno no Brasil de hoje talvez só se compare às epidemias devastadoras da era colonial. Como escreveu meu colega Atila Iamarino, bem-vindos ao século 18. O que nos leva, aliás, ao segundo despautério que gostaria de abordar aqui.

2) O vírus precisa circular, assim vamos ganhar imunidade de rebanho.
Uma única palavra da língua portuguesa deveria ser suficiente para enterrar essa ideia temerária: Manaus. A segunda onda devastadora na capital amazonense, no começo de 2021, engolfou uma população na qual o Sars-CoV-2 já tinha circulado a torto e a direito. Os manauaras pareciam ter chegado a um limiar de contaminações anteriores (uns 60% dos habitantes) capaz de proteger a maior parte das pessoas.

Não foi o que aconteceu. Na verdade, a grande quantidade de casos da primeira onda serviu apenas para criar complacência nas autoridades e na população, gestando novas e perigosas variantes da doença graças à multiplicação do patógeno na surdina.

É preciso reconhecer de uma vez por todas que não sabemos o suficiente sobre o vírus para propor esse tipo de hipótese perigosa. Deixar a doença circular à vontade continua sendo uma receita para transformar o Brasil num matadouro.

Ocorre que a gente já conhece um jeito seguro e eficaz de produzir a tal imunidade de rebanho. Chama-se vacinação. E, quanto mais ela é combinada com distanciamento e máscaras, mais rápido ela vem. É matemática —não a magia negra que os asseclas do “tratamento precoce” querem que você engula. ​

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.