Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu universidade

O que dizem as plantas estressadas

Plantas sob estresse emitem som parecido com plástico-bolha estourando, afirma estudo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Entre as muitas passagens impagáveis de "Good Omens: Belas Maldições", romance cômico de fantasia escrito por Neil Gaiman e pelo saudoso Terry Pratchett (1948-2015), há uma cena que subverte a tradicional prática riponga de conversar com as plantinhas para que elas cresçam fortes e saudáveis.

Acontece que o demônio Crowley, um agente das forças infernais que vive disfarçado entre nós desde os tempos do Éden, fica sabendo desse costume e acha aquilo uma excelente ideia —desde que ele possa acrescentar certo tempero diabólico ao papo. Crowley rotineiramente ameaça as plantas que decoram seu apartamento, jurando cometer as maiores atrocidades contra elas se não crescerem direitinho —e, assim, seus vasos se tornam os mais bonitos de Londres.

Não existem demônios disfarçados por aí traumatizando samambaias (até onde sabemos...), mas um novo estudo indica que os vegetais são perfeitamente capazes de reagir a situações de estresse de um jeito audível —ao menos se você for capaz de captar ultrassom.

Microfones posicionados ao lado de tomateiros na pesquisa realizada pela Universidade de Tel-Aviv (ISR), na qual descobriu-se que as plantas emitem sons quando estressadas
Microfones posicionados ao lado de tomateiros na pesquisa realizada pela Universidade de Tel-Aviv (ISR), na qual descobriu-se que as plantas emitem sons quando estressadas - Ohad Lewin-Epstein/Divulgação

Evidências acerca dessa insuspeita capacidade vegetal acabam de sair na revista especializada Cell. Os dados foram obtidos em laboratório, com experimentos envolvendo principalmente tomateiros e tabaco, mas abrangem também várias outras plantas, como o trigo, o milho e até cactos.

A pesquisa foi coordenada por Lilach Hadany, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, e é mais um indício de que nosso hábito de descrever as plantas como criaturas essencialmente "burras" ou "mudas" se comparadas aos animais é uma simplificação grosseira.

Embora não possuam sistema nervoso como nós e os demais bichos, elas contam com estratégias sofisticadas de comunicação bioquímica, trocando informações por meio de seu sistema de raízes ou liberando substâncias no ar quando suas folhas são mordidas por insetos, por exemplo.

Hadany e seus colegas obtiveram seus dados do jeito mais simples possível: montaram microfones acoplados a um gravador do lado de seus tomateiros de laboratório. Depois, submeteram suas plantas a situações estressantes: ficaram alguns dias sem regá-las ou fizeram cortes no caule delas.

Por serem ultrassônicos, os sons gerados pelas plantas estressadas são agudos demais para que o ouvido humano os capte naturalmente. Mas é fácil "convertê-los" para uma frequência que conseguimos escutar (é essencialmente a mesma coisa que um cantor de vozeirão grave cantando algo do repertório de uma cantora célebre por seus agudos, digamos).

Microfones posicionados ao lado de um cacto na pesquisa realizada pela Universidade de Tel-Aviv (ISR), na qual descobriu-se que as plantas emitem sons quando estressadas
As plantas estudadas foram colocadas dentro de caixas acústicas com um sistema de captação de ultrassom - Itzhak Khait/Divulgação

Feita a conversão, o som parece o de alguém estourando plástico-bolha. A semelhança talvez faça sentido porque é possível que o barulho venha da formação e do "estouro" de bolhas de ar no sistema vascular (as "veias") das plantas, dizem os cientistas israelenses. Curiosamente, os pesquisadores descobriram também que plantas tranquilas são essencialmente muito quietinhas —os barulhos, emitidos entre 30 e 50 vezes por hora, só começam quando o vegetal está sob estresse.

O mais interessante são as perguntas em aberto, é claro. Mesmo que os sons não sejam produzidos como forma de comunicação com outros organismos, é praticamente certo que alguns animais com audição ultrassônica são capazes de captá-los.

E isso poderia influenciar o comportamento deles na busca por alimento ou em outros aspectos. E há até possíveis implicações para a prática agrícola —no uso de irrigação, por exemplo—, uma vez que o "choro" vegetal aparece antes mesmo que a desidratação da planta se torne visível. Tudo indica que as plantas ainda têm muito mais a nos dizer, se soubermos ouvir.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.