Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Descrição de chapéu Dengue

Zema e a direita vomitam ignorância e incoerência sobre vacinas

Vacinar só na escola é cevar mortes; imunização da dengue é bem mais complicada

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Seria fascinante, se não fosse uma tragédia de saúde pública, observar a completa incoerência e ignorância da politicagem antivacinação no Brasil.

Nos últimos dias, de um lado, vimos o bolsonarista de sapatênis Romeu Zema e os paleolíticos parlamentares Nikolas Ferreira e Cleitinho se juntarem para comemorar o fato de que as escolas de Minas não exigirão certificados de vacinação para matricular seus alunos. Zema chegou a dizer que as crianças primeiro têm de ir à escola para aprender ciência e só então decidir se querem ser vacinadas ou não. O mais caridoso que se pode dizer sobre o trio é que as Gerais outrora ofereciam filhos melhores de suas montanhas para a arena da política nacional.

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O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, durante evento do LIDE (Grupo de Líderes Empresariais) - Rubens Cavallari - 25.set.23/Folhapress

O que Zema sabe sobre imunologia e epidemiologia está mais ou menos no mesmo nível do conhecimento do "terrivelmente evangélico" Nikolas Ferreira sobre exegese bíblica (o precoce deputado chegou a usar uma frase misteriosa de Jesus sobre espadas para defender armas de fogo para todos no Brasil).

Para manter acesa a base fanatizada do bolsonarismo, o governador mineiro deixa de lado o fato de que as vacinas, em geral, foram desenhadas para prevenir as doenças infecciosas da primeira infância, que podem levar à morte ou a danos permanentes antes que a criança tenha idade para ir à escola.

E, ainda que a besteira proferida se restringisse apenas às vacinas contra Covid-19, ele esquece o fato de que crianças pequenas –de novo, bem antes da idade escolar– são mais vulneráveis do que as mais velhas ao vírus pandêmico.

Essa, pois, é uma das faces da moeda letal. A outra é a cooptação do termo "genocida" pela extrema direita tupiniquim ao se referir à demora do uso mais amplo de vacinas da dengue no Brasil. No melhor estilo "acuse-os do que você é", é essa pecha que estão tentando colar no governo Lula.

A situação da dengue é indiscutivelmente preocupante, e a falta de uma abordagem estratégica que tivesse a ambição e os meios de chegar o mais próximo possível de erradicar o problema é uma falha de múltiplas décadas e vários governos. Dito isso, porém, não faz o menor sentido comparar a dengue com a resposta desastrosa aos desafios da Covid-19.

Para começar, há a ordem de grandeza do problema. A mortalidade provocada pela dengue, mesmo em seus piores anos, é da ordem de um centésimo da que a pandemia desencadeou no Brasil.

Em parte, é por isso que ainda não há vacinas contra a dengue para todos, seja das (poucas) já disponíveis comercialmente, seja no caso da imunização desenvolvida pelo Instituto Butantan, hoje na reta final de desenvolvimento. Há ainda o fato de que dengue continua sendo majoritariamente uma doença de países tropicais pobres, algo que a emergência climática atual talvez transforme nas próximas décadas. Os dois fatores fazem com que o dinheiro investido para desenvolver e distribuir essas vacinas não seja nem de longe comparável ao empregado no caso da pandemia, infelizmente.

E há ainda outra questão. Conhecemos bastante bem os subtipos do vírus da dengue, e é por isso que a vacinação em massa é, paradoxalmente, mais complicada do que contra a Covid-19, e não menos.

As pessoas que são infectadas por um subtipo da dengue e depois entram em contato com outro podem correr um risco aumentado de ter formas mais graves da doença, por causa de uma interação pouco compreendida entre anticorpos já existentes e o novo subtipo do vírus.

Uma das vacinas existentes é capaz de causar esse mesmo fenômeno em certas condições, inclusive. Ao que tudo indica, as mais recentes não oferecem esse risco. Mas ainda é cedo para saber até que ponto elas serão capazes de trazer uma proteção balanceada contra os quatro subtipos do vírus.

Em suma, vacinação não é bagunça, por mais que hoje em dia o sujeito consiga garantir alguns milhões de votos dizendo que é.

Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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