Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Frase do presidente nos impôs derrota maior do que o 7 a 1

Fico imaginando a reação se Felipão tivesse respondido 'e daí?' após o vexame

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O chamado “país do futebol” achava que tinha vivido a maior derrota de sua história naquele fatídico 8 de julho de 2014, quando Müller, Klose, Kroos, duas vezes, Khedira, e Schürrle, também duplamente, distribuíram seus gols em um Mineirão lotado com quase 60 mil pessoas. Os que conseguiram ficar até o fim viram Oscar trazer o “prêmio de consolação”.

Se é que dava para ter algum consolo diante daquela tragédia. Não só pelo resultado, não só pela eliminação, mas pelo contexto que ela envolvia: uma Copa do Mundo em casa, uma semifinal, a oportunidade de “dar alegria para o país” eternizada no choro do zagueiro David Luiz após o jogo. A chance de curar um trauma (“Maracanazo” em 1950) que, no fim, criou outro ainda mais profundo. Virou meme até: “Todo dia, um 7 a 1 diferente”.

Fred carrega a bola enquanto os alemães comemoram gol contra o Brasil na semifinal da Copa de 2014
Fred carrega a bola enquanto os alemães comemoram gol contra o Brasil na semifinal da Copa de 2014 - Danilo Verpa-8.jul.14/Folhapress

Quem diria que, quase seis anos depois, esse meme seria nossa realidade diária. Diante da pandemia do coronavírus, cada dia que passa vivemos uma nova goleada —não só pelo vírus, que segue matando aos milhares, mas principalmente pela ignorância e falta de humanidade dos que se sobrepõem a ele.

Fico imaginando qual teria sido a reação do país do futebol se Felipão e Parreira tivessem respondido aquela coletiva de imprensa pós 7 a 1 com um “e daí?”.

As pessoas esperando uma explicação, uma justificativa, um pedido de desculpa ou ao menos o respeito à dor que aquele vexame teria causado, e o comandante da seleção devolveria com desdém: “Quer que eu faça o quê?”.

Talvez poucas coisas mexam tanto com o brio do brasileiro do que uma derrota no futebol. Naquela época, a resposta de Felipão não chegou a ser tão ousada, mas também não foi satisfatória. Ele mencionou um “apagão” de seis minutos, dias depois Parreira leu a carta de Dona Lúcia e, uma semana após a goleada, os heróis do tetra e do penta —e vilões do 7 a 1— estavam fora da seleção brasileira.

Por algum tempo, achava que nada seria capaz de superar esse vexame. Mas a maior derrota da nossa história veio mesmo nesta semana. Não foram sete gols, foram mais de 5.000 vidas. E o comandante respondeu: e daí, quer que eu faça o quê? Esse, porém, ainda segue no cargo.

Enquanto escrevo esta coluna, ouço o noticiário dizendo que há mais de 1.000 pessoas na fila de espera por um leito nas enfermarias ou UTIs dos hospitais públicos do Rio de Janeiro, onde moro. Os hospitais já estão se equipando com contêineres para guardar corpos e aliviar a sobrecarga nos necrotérios.

São mais de 85 mil casos (numa estimativa bem subestimada) no país inteiro, em uma curva de doentes e mortos que só aumenta enquanto o presidente diz que “não é coveiro”, que “é Messias, mas não faz milagre” e que já está falando com o Ministério da Saúde para aprovar a volta do futebol sem torcida.

Veja bem, o futebol. Nem eu, que vivo do futebol (e também já tive minhas perdas financeiras na falta dele nesta quarentena), quero que ele volte agora. Simplesmente porque não tem a menor condição de falar em bola rolando quando vidas estão se perdendo num ritmo maior do que podemos contar.

Não é possível cogitar o retorno de um esporte de pleno contato enquanto a pandemia não estiver minimamente controlada.

O futebol, já diria o técnico italiano Arrigo Sacchi, é a coisa mais importante dentre as menos importantes.

Nas conversas com o Ministério da Saúde, o presidente deveria rever sua lista de prioridades para evitar um novo 7 a 1 na (e com a) vida dos brasileiros.

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