A essa altura do ano seria comum ouvirmos nas propagandas de TV a tradicional voz de Simone naquela pergunta incômoda: então é Natal, e o que você fez?
Aparentemente, tiveram o bom senso de não tocá-la num ano tão difícil, desafiador, em que, se você tiver feito algo, já é um vencedor —aliás, sobreviver a 2020 é uma conquista, porque isso é algo que ao menos 187 mil pessoas no Brasil não conseguiram com a pandemia de Covid-19.
Foi, de fato, um ano para esquecer, ainda mais tendo que ouvir as asneiras que o presidente diz diariamente sobre a doença, sobre a vacina, sobre jacarés. Se bem que essas precisam ser muito bem lembradas nas urnas em 2022, principalmente para aqueles que achavam a escolha “muito difícil” em 2018.
E em meio a tudo isso, fiquei pensando numa forma de terminar esse ano com esperança. Porque, entre tantas coisas tristes, o ano também teve conquistas. No último fim de semana, por exemplo, tivemos overdose de futebol feminino na TV.
A final do Gaúcho com o Gre-Nal das gurias registrou audiência bem maior do que a normal para o horário na RBS TV. A decisão mineira ficou ainda mais bonita acontecendo no Mineirão. E o título do Paulista teve atuação de gala do Corinthians transmitida na TV aberta e fechada, no rádio e nas redes sociais.
O protagonismo feminino cresceu em campo e também fora dele, nas transmissões. Em 2020, dois dos principais canais de televisão do país contrataram narradoras —uma que já estreou (Isabelly Morais, na Band) e outra que ainda vai estrear (Renata Silveira, na Globo). Ouvimos neste ano também Natália Lara, na Cultura.
Há mais mulheres comentando jogos e participando de bancadas esportivas. Em São Paulo, a principal premiação do jornalismo esportivo elegeu Ana Thais Matos como melhor comentarista ao lado de Alexandre Lozetti. Se antes as mulheres pareciam invisíveis nas redações, em 2020 elas passaram a ser vistas por terem conquistado um espaço que há tempos estavam merecendo.
Nesse sentido, ficou evidente nos últimos dias que ainda falta um avanço importante. Quando a gente olha para a repercussão da denúncia de racismo do meio-campista Gerson, quantos programas da TV tinham representantes negros para a discussão? Quantos textos dos jornais ou dos sites tinham editores, repórteres negros?
Não é que só eles tenham que falar sobre isso —é dever de todos, inclusive e principalmente nosso, dos brancos, falar de racismo.
Mas esse cenário reflete um problema grave que por muito tempo foi ignorado: a ausência de negros nas redações esportivas. Em postos de comando. Em postos de destaque.
Como é o caso de Karine Alves, que comanda o Troca de Passes há alguns meses já com maestria. E no último domingo (20), mais do que genial, sua participação no debate foi imprescindível.
Ao comentar o caso de Gerson, ela foi bastante didática para os que ainda insistiam em pedir para que a discussão fosse sobre o jogo, e não sobre a denúncia do jogador do Flamengo. “O racismo não é questionável, ele é indefensável. Jornalismo é trazer o que é notícia, e isso é notícia. Não tem nada a ver racismo com ideologia. Racismo é crime”, disse.
Não é para falar sobre racismo que a presença de Karine e de outros jornalistas negros e negras se faz necessária. Não é para falar sobre machismo que é preciso ter mulheres nas redações. É também por isso. E é, principalmente, para que um dia não seja mais necessário falar sobre nenhuma dessas coisas.
Não dá para negar que 2020 foi um ano de algumas conquistas e de muita luta. E, na luta, a gente se encontra em 2021.
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