No futebol, de tempos em tempos, surgem times que marcam época. Aqueles que, não só pelos títulos conquistados, mas pelo encanto que produzem em campo, serão para sempre lembrados.
Suscitarão a nostalgia dos “mendigos do bom futebol”, como bem definiu um dia Eduardo Galeano, convictos de terem sido privilegiados por verem a história sendo escrita diante dos seus olhos.
Tivemos o Santos de Pelé, Coutinho e companhia. O São Paulo de Telê Santana. O Flamengo de Zico. E, por que não, guardadas as devidas proporções, também o Flamengo de Jorge Jesus em 2019.
Não há exatamente um parâmetro para determinar os times que entrarão para o seleto patamar de “históricos”. Ainda mais difícil é dizer isso com esses times em atividade. Mas se eu tivesse uma única aposta para fazer hoje, colocaria todas as fichas no Corinthians atual –o feminino, claro.
A história das mulheres no futebol ainda é recente e carece de registros e imagens, além de sempre ter sido preterida em termos de estrutura oferecida pelos clubes.
Nas últimas décadas, talvez quatro times já tenham conseguido esse status de “históricos”: o Radar (RJ), na década de 1980; o Saad (SP), na década de 1990; o Santos de Marta, Cristiane e companhia, em 2009 e 2010; o São José tricampeão da Libertadores e do Mundial, do início dos anos 2010.
Eu ousaria já incluir nessa lista o Corinthians comandado por Arthur Elias e coordenado por Cris Gambaré. Desde 2016, quando o clube decidiu retomar o investimento no futebol feminino –primeiro numa parceria com o Audax, para depois assumir a gestão, em 2018–, foram dois títulos do Brasileiro, dois da Libertadores, um da Copa do Brasil e um do Paulista (podendo conquistar o segundo ainda neste ano).
Mas a questão nem é só título. É o que esse Corinthians está fazendo dentro de campo. Entre 2019 e 2020, o time alvinegro somou 48 jogos consecutivos sem derrotas. Resultado de um trabalho a longo prazo que teve investimento, ofereceu a melhor estrutura para as jogadoras e conseguiu chegar a um nível de preparo físico muito acima dos outros times no país. O primeiro jogo da final do Paulista mostrou bem isso.
Tudo bem que o horário da partida (às 11h em Barueri, com 30°C) não ajudou. Mas, se a Ferroviária conseguiu anular o poder ofensivo do Corinthians até os 37 minutos do segundo tempo, o que se viu nos dez minutos finais (considerando acréscimos) foi o Corinthians com o fôlego sobrando, enquanto as jogadoras do time de Araraquara tiveram uma queda de rendimento nítida.
A marcação ficou mais distante e deu espaços para que a equipe de Arthur Elias construísse a virada e uma ótima vantagem para o jogo da volta: 3 a 1.
Hoje, não há equipe feminina no Brasil que jogue um futebol mais bonito do que o do Corinthians. E que sustente esse nível de futebol por 90 minutos.
Com a ousadia de Arthur Elias ao colocar a goleira Lelê bastante avançada para participar da construção do jogo, o time consegue girar a bola e trabalhá-la muito bem para furar as defesas mais bem postadas. E tem um repertório ofensivo impressionante: gol de jogada construída de pé em pé, de bola parada bem trabalhada, de contra-ataque rápido... Enfim, difícil é o Corinthians sair de campo sem fazer gols (aconteceu quatro vezes neste ano).
Por tudo isso, algo me diz que daqui 20 ou 30 anos, com o futebol feminino ainda mais popularizado, estaremos ouvindo nos papos das mesas de bar: “Bom mesmo era aquele Corinthians do Arthur Elias”.
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