Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Renata Mendonça
Descrição de chapéu Futebol Feminino

Final do Brasileiro representa novos tempos para as mulheres no futebol

Algumas dezenas de milhões de pessoas gostaram da ideia de ver suas partidas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vou contar para vocês uma história. Mas vou começar pelo fim.

No último domingo (6), o Corinthians venceu o Avaí Kindermann por 4 a 2 e conquistou o bicampeonato brasileiro de futebol feminino. Uma final que pôde ser vista e ouvida em todo o país, com transmissão em TV aberta (Band), fechada (ESPN), rádio (CBN) e Twitter.

Não é preciso voltar muito no tempo para entender o impacto dessa visibilidade. Aquele negócio que a gente tanto ouve falar no futebol masculino, os “direitos de transmissão”, não existia no feminino –porque ninguém tinha interesse de exibir os jogos delas. Diziam que “ninguém queria ver futebol feminino”.

Mais do que a exibição da partida em todas as plataformas, a final do Brasileiro feminino deste ano teve um novo recorde: a CBF recebeu 109 pedidos de credenciamento para cobrir o jogo, incluindo todos os principais veículos de imprensa do país.

Corta. Voltemos para 2015. Era maio, um mês antes do início da Copa do Mundo feminina no Canadá, quando um convite inesperado da rádio Central 3 impulsionou um projeto ainda despretensioso a sair do papel. Nasciam as “Dibradoras”. Começamos ali o desafio de falar e mostrar aquilo que, supostamente, ninguém queria ver.

Lembro que uma vez nos reunimos para pensar na continuidade do projeto após a Copa do Mundo. Como poderíamos seguir falando semanalmente de futebol feminino se os jogos do Campeonato Brasileiro eram no meio da semana, às 15h, sem transmissão e sem qualquer atualização de placar ou tabela no site da CBF?

A solução naquele momento foi, em vez de trazer notícias, trazer a história. Nas entrevistas com ex-jogadoras, pioneiras, as mulheres que começaram a desbravar o universo do futebol no Brasil, descobrimos décadas de preconceito, rejeição e, ao mesmo tempo, de muita resistência. Fizeram de tudo para que as mulheres desistissem do futebol –e, ainda assim, elas persistiram.

A primeira tentativa de barrá-las veio pela lei. Em 7 de maio de 1940, uma carta de um cidadão “desesperado” ao então presidente da República, Getúlio Vargas, foi publicada no Diário da Noite com o apelo: “Um disparate esportivo que não deve prosseguir (...)”. As palavras de José Fuzeira contribuíram para o decreto-lei que viria no ano seguinte, proibindo as mulheres de praticarem esportes “incompatíveis com sua natureza”, incluindo o futebol.

O decreto caiu em 1979, e a partir daí a estratégia foi ignorá-las. Tanto que boa parte dos registros de clubes e seleção feminina se perdeu no tempo. Assim, até hoje não sabemos quantos jogos Formiga fez pelo Brasil, quantos gols Marta marcou com a camisa amarela. Não registrar essa história foi uma tentativa de apagá-la, de fingir que ela nunca existiu.

Nisso, a imprensa também teve parte. Não noticiou, não transmitiu os jogos, seguiu reproduzindo a máxima do “ninguém quer ver” sem nem sequer dar a oportunidade para as pessoas decidirem se queriam ou não assistir aos jogos delas. Ocorre que, quando tiveram essa chance, elas contrariam as expectativas.

Aparentemente, algumas dezenas de milhões de pessoas gostaram da ideia de ver futebol feminino.

O que aconteceu no último domingo só foi possível porque, quando “todo mundo” duvidava, teve gente que sempre acreditou.

Eu disse que ia contar uma história começando pelo fim, mas, olhando sob outra perspectiva, esse é só o começo. Tem mulher jogando, tem mulher narrando, tem mulher comentando futebol. Essa história está sendo escrita por elas e não vai ter ponto final.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.