Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Casos de assédio e racismo se multiplicam nas arenas, mas ninguém reage

Imagens chocam nas redes sociais; de perto, não parecem causar comoção

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As imagens divulgadas nas redes sociais chocam. Mas não geram tanto constrangimento de quem às assiste de perto. Um torcedor do São Paulo imita um macaco para um torcedor do Fluminense no Morumbi. A vítima filma tudo –porque sabe que, se as imagens não forem muito claras, será mais fácil ela mesma ser investigada por calúnia do que o racista responder pelo seu racismo.

A câmera do celular não inibe o gesto discriminatório (e criminoso) do torcedor. Ele prossegue com sua performance –que com certeza a descreverá como uma brincadeira; ou então vai dizer que estava com coceira, como alegou o torcedor do Boca que fez o mesmo gesto na arena do Corinthians. Policiais chegam, mas não retiram o racista para enquadrá-lo no crime que estava cometendo. Apenas tentam tirá-lo de perto, evitar a "confusão".

Revolução é o que deveria haver ali diante dessa cena. Revolta, indignação, qualquer coisa que mostrasse que quem estava ali ao redor presenciando essa cena não seria conivente com ela. O que houve foi indiferença.

Torcedor do São Paulo imita macaco durante partida contra o Fluminense, no Morumbi, em 17 de julho de 2022
Torcedor do São Paulo imita macaco, para indiferença daqueles ao seu redor no estádio do Morumbi - Reprodução/Twitter

É o que costuma ocorrer em casos de racismo, principalmente quando eles acontecem em estádios de futebol. O meio-campista Fellipe Bastos, do Goiás, passou por essa situação no clássico contra o Atletico-GO, quando foi chamado de "macaco" por um torcedor. O jogador pediu que repetisse. E ele repetiu: "macaco".

Quem estava ao redor não fez nada. Não pediu que o racista parasse de dizer aquilo, não chamou policiais, a própria segurança do estádio também se omitiu. Permitiram que as ofensas racistas ocorressem sem qualquer constrangimento para o agressor. Constrangido ali ficou Fellipe Bastos, sem encontrar nenhum respaldo para sua revolta. Ele levou o caso adiante fazendo uma denúncia formal na delegacia.

Muita gente faz questão de se manifestar nas redes sociais quando um caso como esse aparece. É importante que o tema ganhe repercussão também na internet, porque isso ajuda a não normalizar mais situações como essa. No entanto, essa "revolta" e "indignação" precisam sair do Twitter ou do Instagram. Nosso antirracismo não pode parar na superficialidade de um post.

Vale destacar que o São Paulo registrou boletim de ocorrência contra os envolvidos e está colaborando para que eles sejam identificados e punidos, segundo informou o clube. Não ficou só na nota de repúdio, aparentemente –ainda bem.

Mas e quem estava ao redor? E os policiais que passaram perto e não fizeram nada além de afastar o agressor, em vez de levá-lo para a delegacia após o flagrante? Quando presencia uma pessoa reproduzindo comportamentos racistas e não faz nada a respeito, você está sendo conivente.

O mesmo se dá, comumente, com casos de assédio. Chamaram a atenção denúncias feitas por mulheres que foram assediadas (algumas beijadas à força) no Mineirão em jogos ao longo deste ano. Elas questionaram o tratamento dos seguranças do estádio quando foram relatar o que passaram –nenhum dos profissionais se propôs a afastar os assediadores– e até mesmo a indiferença das pessoas por perto, que não fizeram nada para ajudar as vítimas.

A gente foi ensinado a não se "intrometer" e a calar em situações assim. E até mesmo a não se incomodar. É como se fosse natural. Só uma brincadeira. Imagina, ele está só imitando um macaco, olha só, que engraçado. Poxa, não pode nem xavecar uma mulher no estádio agora? Foi para o jogo de short e quer que ninguém chegue perto?

O mundo está ficando chato, é o que costumam dizer. Bom, o mundo precisa ficar ainda muito mais chato para os racistas e assediadores. Por enquanto, ainda está muito confortável para eles.

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