Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu LGBTQIA+

Futebol um dia sairá do armário graças também à sua coragem, Richarlyson

Você já estava na história pelo que fez em campo; agora, estará na eternidade pelo armário que ajuda a destrancar

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Não sei como foram seus últimos dias. Depois da sua entrevista ao podcast "Nos Armários dos Vestiários", não sei se você recebeu mais ataques de ódio do que respostas de apoio. Quero acreditar na segunda opção porque, como a gente gosta de repetir, o amor SEMPRE vence. E talvez ainda hoje você duvide do impacto da sua fala ou ainda esteja descrente, como disse no podcast, de que ela possa mudar alguma coisa. E eu lhe digo que já está mudando.

Mas, antes de mais nada, preciso fazer aqui um pedido de desculpas. Sou um grãozinho de areia dentro da imprensa esportiva, mas tendo a achar que represento nesta minha fala a maioria dos jornalistas que fazem parte dela. A gente deveria ter falado mais de você, Richarlyson. E, acima de tudo, a gente deveria ter falado mais do que você fez em campo.

Você assumiu um protagonismo no meio-campo e depois na lateral esquerda de um dos times mais vitoriosos de uma década no futebol brasileiro. Dá para chamar de "dinastia" o que o São Paulo fez entre 2005 e 2008? O único time tricampeão brasileiro consecutivo: 2006, 2007, 2008. E você fez parte dos três títulos.

Deveríamos ter falado mais do que você fez em campo - Ricardo Nogueira - 1º.abr.07/Folhapress

Aliás, espera aí. Fazer parte é muito genérico e simplifica demais o que você representava em campo. Richarlyson, você formou uma das melhores duplas de volantes que o Campeonato Brasileiro já viu nos tempos recentes ao lado do Hernanes. Conquistou a Bola de Prata com ele no meio-campo em 2007 justamente por isso. Força nos combates, inteligência para antecipar as jogadas, velocidade para recompor, desarmes precisos e uma canhota afiada que deixou algumas vezes sua marca com belos gols.

Richarlyson sempre foi o tipo de jogador que qualquer treinador quer ter no seu elenco. Versátil, sempre pronto para jogar em qualquer posição –no mesmo São Paulo, jogou de meia, volante, zagueiro e, por último, lateral esquerdo. Também sempre foi o tipo de jogador que qualquer torcedor quer ter no seu time, porque se entrega demais dentro de campo, dá o sangue. Para você, Richarlyson, nunca teve bola perdida.

No podcast, você se descreveu: "Nunca fui craque, nunca fui tecnicamente incrível, mas era inteligente de saber o que eu poderia fazer para sempre estar à frente dos demais". Mas, apesar de todo o seu esforço, tudo o que falavam de você não era sobre seu desempenho dentro de campo. Por muito tempo, deixamos de falar do seu futebol para alimentar um preconceito cruel que talvez tenha sido seu maior adversário ao longo de uma carreira tão vitoriosa.

E escrevo deixamos, mesmo, no plural, porque nós, da imprensa, fizemos parte disso. Publicando fotos com legendas desrespeitosas, fazendo perguntas invasivas, inflando um debate sobre um tema que você nunca levantou (sua sexualidade) e sobre o qual nenhum outro jogador teve que responder.

Imagina você se dedicar ao máximo no seu trabalho para ser o melhor profissional possível e, no fim do dia, ouvir sempre a mesma pergunta: "E aí, você é gay? E aí, você é homossexual?". Nada sobre performance em campo, sobre os títulos que conquistou, sobre os papéis exercidos nos times em que jogou, sobre o segredo para conquistar tanto. As perguntas para você, Richarlyson, sempre foram erradas.

Eu peço desculpas por ter feito parte da imprensa que por muito tempo chancelou tantos preconceitos que você sofreu. E que pouco fez para tornar o futebol um ambiente mais acolhedor para pessoas LGBTQIA+ ou para colocar o assunto em pauta sem piada, de maneira respeitosa e séria.

Você já estava na história por tudo o que fez dentro de campo –algo que tanto esquecemos de contar. E agora estará na eternidade pelo armário histórico que está ajudando a destrancar. O futebol vai sair dele um dia, Ricky, graças também à sua coragem.

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