Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

O amor venceu

E até agora não sabemos onde Bolsonaro está se escondendo da enorme euforia

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Amanhã vai ser outro dia. Foi o mantra que repetimos nos últimos quatro anos enquanto tentamos sobreviver à pandemia e ao pior governo da nossa história. Um governo que permitiu quase 700 mil mortes por Covid-19, enquanto o presidente negligenciava vacina e imitava pessoas com falta de ar. O alívio de ontem é por finalmente poder dizer: hoje já é outro dia.

E até agora não sabemos onde Jair Bolsonaro está se escondendo da enorme euforia que tomou as ruas do país. Não teve futebol, mas pareceu comemoração de título. Teve grito, teve choro, porque o galo insistiu em cantar, mesmo após todas as tentativas de calar a voz e o voto dos mais desfavorecidos.

A apoteose de amor reprimido, do grito contido - Eduardo Knapp/Folhapress

Enquanto acompanhava as tais "operações" da Polícia Rodoviária Federal curiosamente concentradas no Nordeste no domingo de eleições, pensava: "Será que foi assim que o golpe começou a acontecer em 1964?".

Em uma semana, vimos um aliado do presidente que cumpria prisão domiciliar atacando policiais com granada, vimos uma tentativa de articulação para o adiamento das eleições, vimos uma aliada do mesmo presidente correr na calçada com uma arma apontada para um homem negro que a havia ofendido verbalmente, vimos a Polícia Rodoviária Federal tentando impedir pessoas de exercer o direito democrático do voto.

Mas pagamos para ver o jardim florescer qual eles não queriam. Foram quatro longos anos ouvindo a maior autoridade da República destilando seus preconceitos, desprezando mulheres, reforçando o conservadorismo da suposta "família tradicional brasileira", que valoriza mais a heterossexualidade do que o amor.

E a resposta para todo esse ódio veio de enxurrada. O último domingo na avenida Paulista e em todo o país terminou com água nova brotando e a gente se amando sem parar. Homens beijando homens, mulheres beijando mulheres, pessoas trans comemorando, negros subindo ao palanque, as feministas protagonistas, a apoteose de amor reprimido, do grito contido e do samba sob a luz da esperança que ressurgiu nas urnas.

O hino nacional ecoou na voz de Daniela Mercury, e lembramos os filhos teus que nunca fugiram à luta, nem mesmo nesses últimos quatro anos de trevas em que o ódio tentou sobressair. Mas agora você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia.

Como vai se explicar? O céu já clareou, Bolsonaro, e ainda estamos aguardando você falar –ainda que nunca tenha tido nada de bom a dizer. Nesse tempo todo, você mostrou tanto desprezo e uma falta de humanidade ("eu não sou coveiro", "país de maricas", "vão ficar chorando até quando?") que me doía imaginar um país onde a maioria das pessoas concordasse com essa forma de pensar, de falar, de sentir as centenas de milhares de mortes dessa pandemia.

Foram quatro anos confirmando o ser humano abominável que você nunca disfarçou ser. O mesmo que havia dito a uma mulher que ela "não merecia ser estuprada", que afirmava "preferir um filho bandido a um filho gay", esse homem que alçaram ao poder como antídoto para a corrupção sem se importar com as denúncias de rachadinha, compra de mais de 50 imóveis com dinheiro vivo, orçamento secreto e os cem anos de sigilo nunca explicados.

A indignação seletiva dessas pessoas com a corrupção fez com que elegessem um homem machista, misógino, homofóbico, que passou esses anos no poder repetindo os piores preconceitos e chancelando comportamentos assim dos seus seguidores. O Brasil nunca reproduziu tanto ódio e, nessa loucura toda, a gente chegou a pensar: será que eles são maioria?

Não são. Nunca mais serão.

Apesar de você, Bolsonaro, hoje já é outro dia. O amor venceu.

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