Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022 África

Por que a África nunca conquistou a Copa do Mundo?

Continente produz muitos talentos, mas limitação de vagas reduz chance de disputar Mundiais

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Marrocos não estava apontado entre os favoritos ao título desta Copa do Mundo. Nem sequer era favorito para classificar no seu grupo, que tinha a atual vice-campeã mundial, Croácia, e a Bélgica, terceiro em 2018. O zagueiro Saiss chegou a dizer: "Estamos indo sem pressão, mas nossa meta é clara: classificar para a segunda fase".

Estão classificados para as semifinais. O primeiro país africano (e também o primeiro país árabe) a chegar tão longe numa Copa do Mundo. Sob o comando de um técnico marroquino, Walid Regragui —antes, as equipes africanas que chegaram às quartas do Mundial eram comandadas por treinadores estrangeiros. Foi o próprio Regragui que disse após eliminar a Espanha nas oitavas: "Em algum momento na África precisamos ser ambiciosos… e por que não vencer uma Copa do Mundo?".

Jogadores jogam para cima o técnico, que olha com cara de espanto
Jogadores de Marrocos celebram classificação para as semifinais com o técnico Walid Regragui - Bernadett Szabo - 10.dez.22/Reuters

Em 92 anos de Copa, nunca um país africano conquistou o título. Considerando que há apenas cinco vagas destinadas a países do continente no Mundial —enquanto são 13 as reservadas para a Europa—, a campanha marroquina se torna ainda mais impressionante. A seleção já derrubou, afinal, três europeus na competição: a Bélgica (venceu por 2 a 0 ainda na fase de grupos), a campeã mundial Espanha nas oitavas e Portugal de Cristiano Ronaldo nas quartas.

De 1930 até 1970, somente um país africano disputou a Copa —o Egito, em 1934. O continente conviveu com guerras oriundas da colonização e só teve uma vaga garantida pela Fifa no Mundial a partir de 1970, quando Marrocos disputou pela primeira vez a competição. Em 1982, a África teve direito a duas vagas, em 1994 teve três e, desde 1998 passou a ter cinco. Apenas cinco vagas para um continente de 54 países. Não seria pouco? A Europa tem 50 países e 13 vagas asseguradas.

Parece irrelevante, mas a Copa do Mundo estimula desenvolvimento do futebol. Se você tem a real chance de disputá-la, vai querer se estruturar melhor para poder estar nela. São muitos os países europeus que, por algum tempo, não tinham protagonismo algum no futebol mundial, e passaram a ter recentemente.

A Croácia, um país de cerca de 3 milhões de habitantes, foi vice-campeã, produziu um melhor do mundo (Modric), tem vários dos seus titulares sendo protagonistas na Europa. A Bélgica já foi insignificante e produziu a "ótima geração belga" na última década, chegando ao pódio na Rússia.

A África produziu muitos talentos e tem cada vez mais jogadores atuando nas principais ligas da Europa, mas, com a limitação das vagas, viu muitos de seus craques não terem chance de disputar Mundiais. Cristiano Ronaldo (português) teve a oportunidade de estar em cinco Copas. Modric (croata) já está na quarta. Mohamed Salah (egípcio) só esteve em uma até aqui. Mané (senegalês) estaria na segunda se não tivesse se lesionado. Não estou comparando quem tem mais talento, mas de fato uns tiveram mais chances de brilhar em Copas do que outros.

Diante disso, há ainda os que questionam os 14 jogadores naturalizados de Marrocos, como se o país estivesse forjando talentos. Ignoram a diáspora africana, que obrigou milhares de famílias a fugir de guerras ou da exploração em países que viviam um contexto de colonização até as décadas de 1950 e 1960 —Marrocos, por exemplo, só se tornou independente em 1956.

São jogadores que cresceram em outros países, mas sempre cultivaram suas raízes em casa —como ficou evidente na celebração de Boufal e Hakimi com suas mães muçulmanas no gramado.

Jogador marroquino sorrindo e de mãos dadas com a mãe, que veste uma roupa cobrindo quase todo o corpo
Boufal e sua mãe comemoram no gramado; imagens como essa rodaram o mundo - Juan Mabromata - 10.dez.22/AFP

Talvez tudo isso ajude a explicar por que a África ainda não conquistou a Copa. E mesmo que Marrocos não quebre essa escrita agora, os Leões do Atlas já deixaram o continente marcado na história deste Mundial.

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