Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

A Copa do Mundo é política

A Fifa não quer que seja, mas ela é

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Era só o segundo dia oficial de jogos da Copa do Mundo e, na arquibancada do Estádio Internacional Khalifa, em Doha, onde aconteceria a partida entre Inglaterra e Irã, lia-se em uma bandeira enorme: "Women Life Freedom". Mulheres Vida Liberdade. Era o lema dos protestos que tomaram conta do Irã nos últimos meses.

A cena não pôde ser vista pela TV —a transmissão oficial da Fifa não mostrou. As imagens registradas pelos fotógrafos, porém, não deixaram a história ser ignorada. O assunto repercutiu mundialmente, assim como a atitude dos jogadores iranianos ao não cantarem o hino na abertura do jogo –essa cena a Fifa não teve como censurar.

A entidade fez de tudo para calar os protestos e manifestações políticas nesta Copa. Vetou faixas, colocou seguranças para recolher bandeiras e camisetas. Mas, com isso, só fez ecoar os protestos. A Copa não é só feita de futebol. É feita de política também.

Mulher segura camiseta do Irã com o nome de Mahsa Amini e homem segura bandeira com as cores do país e as palavras Women Life Freedom
Protesto de iranianas e iranianos nas arquibancadas é uma das marcas da Copa do Qatar - Dylan Martinez - 25.nov.22/Reuters

Inclusive a escolha da sede da Copa e a realização dela por vezes em países regidos por governos ditatoriais também é política. A Fifa se relaciona politicamente com esses governos, e seu esforço por banir manifestações que extrapolam o futebol também tem a ver com isso.

E o que fazer quando até mesmo jogadores decidem tomar partido? Quando as federações de sete países, entre eles Inglaterra e Alemanha, preparam um posicionamento que seria impossível de ignorar (os capitães jogariam com a faixa trazendo a mensagem "One Love" com as cores do arco-íris, simbolizando o Orgulho LGBTQIA+), como impedi-los? Ameaçar uma punição esportiva que nem sequer está explícita no regulamento.

Faltou coragem e vontade dessas federações para realmente abraçarem a causa, mas a manifestação não deixou de acontecer. Porque a ex-jogadora da seleção inglesa Alex Scott, hoje comentarista das transmissões da Copa na BBC, tratou de usar a faixa em rede nacional no próprio gramado enquanto apresentava o jogo na TV. A imagem dela rodou o mundo.

Mulheres iranianas disfarçaram seus protestos na entrada do estádio escondendo suas camisas com mensagens políticas por baixo do uniforme da seleção para não serem barradas. Ainda assim, foram perseguidas por seguranças.

A Copa é política, e as consequências dela podem ser também. No Irã, os protestos já acontecem há pelo menos três meses, desde a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, presa pelo uso inadequado do véu islâmico (ela deixou um pouco do cabelo à mostra e, três dias depois da prisão, apareceu morta).

No domingo (4), houve um anúncio do procurador-geral do Irã avisando que o país encerraria as atividades da tal Polícia da Moralidade, que fiscaliza principalmente as mulheres no cumprimento das determinações religiosas da Constituição local. Ainda não há confirmação oficial do governo iraniano, mas, ao que parece, a força das manifestações lá e a repercussão delas no mundo todo durante a Copa ajudaram a pressionar o país por mudanças.

A Copa é política. A Fifa não quer que seja, mas ela é. E as imagens mais fortes desse Mundial para mim até agora não são as que aconteceram dentro de campo. As cenas de mulheres iranianas presentes nos estádios —algo que elas são proibidas de fazer no próprio país— e dando seu recado por meio de faixas e camisas, ainda que tenham tentado de tudo para impedi-las, são as mais potentes da primeira Copa realizada em um país árabe. Mulheres Vida Liberdade.

A voz delas ecoou no mundo todo por direitos básicos pelos quais ninguém deveria ter que lutar. A presença delas ali é política. A nossa presença nas transmissões e na cobertura desse Mundial também. A Fifa pode tentar, mas não vai conseguir calar isso.

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