Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

O que incomoda no Qatar não incomoda ao seu lado?

Espero que o desconforto com o país-sede da Copa também chegue ao nosso dia a dia

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Começou a primeira Copa do Mundo realizada em um país árabe. E começou em meio a discussões sobre trabalhadores explorados, sobre a cerveja proibida, e, principalmente, sobre a restrição de direitos a mulheres e pessoas LGBTQIA+ no país-sede.

Logo no primeiro jogo, as imagens não nos enganaram. Essa será a Copa mais masculina dos últimos tempos. Havia um pedaço da torcida no estádio onde aconteceu o primeiro jogo, entre Qatar e Equador, que era 100% masculino. O espaço reservado para os "ultras" do Qatar (torcedores organizados) chamou a atenção porque, em meio a centenas ou até milhares de rostos, não havia nenhuma mulher.

Nos estádios brasileiros, as mulheres são minoria —no meio das organizadas são a exceção também. Mas existem. Um espaço de torcida formado 100% por homens gritou aos meus olhos. Lugares assim ainda existem em 2022?

Vários homens abraçados cantando e vestindo camisetas na cor vinho escritas Qatar
Setor de torcedores organizados do Qatar chamou a atenção na abertura da Copa - Lan Hongguang/Xinhua

Parei para pensar nisso nas últimas 24 horas e me dei conta de que existem muito mais do que deveriam. E não precisa ser num país árabe ou de cultura islâmica para acontecer. Na verdade, nas últimas décadas, nossa ausência foi muito comum nesses espaços —tão comum que, por muito tempo, nem sequer foi notada.

Tanto é que a nossa presença tem sido massivamente noticiada nas últimas semanas. A primeira Copa do Mundo com mulheres também protagonistas nas transmissões de TV aberta e fechada. Uma conquista enorme, sem dúvidas.

Mas tivemos que ir até o Qatar para nos incomodar com isso. E mesmo nas equipes que estão fazendo a cobertura lá, mesmo nas equipes daqui, mesmo nas redações esportivas de qualquer país ocidental que não tem leis tão conservadoras limitando os direitos das mulheres, ainda somos ínfima minoria.

Se pensarmos em mulheres negras, então, é ainda mais raro encontrá-las nessas coberturas. No caso de um país como o Qatar, a legislação ainda restringe muito o protagonismo das mulheres. E por aqui, o que explica nossa ausência?

"Eu não deveria mais me chocar com isso, mas a ausência de repórteres mulheres nessas coletivas da Copa do Mundo ainda é (emoji mostrando choque). Eu sentei em fileiras cheias de homens nas últimas três delas", afirmou a repórter da BBC Emma Sanders no seu Twitter.

Até pouco tempo atrás, restringiam o papel das mulheres em coberturas esportivas ao de um "adereço" nos programas. Estavam ali para serem objetificadas, sensualizadas. Evoluímos muito. Agora, em 2022, há mais representantes femininas na cobertura, narrando, comentando, apresentando, reportando. Mas elas chegam a 10 ou no máximo 20%.

E a gente vê mesas redondas 100% masculinas, 100% brancas questionando a falta de diversidade do Qatar, a restrição de direitos a mulheres e à população LGBT.

É preciso mesmo questionar a realização de uma Copa do Mundo num país que vive sob um regime ditatorial e carrega tantos preconceitos oficializados em forma de lei. Mas as redações esportivas brasileiras (e de tantos outros países ocidentais) também vivem sob um sistema (não formalizado na teoria, mas enraizado na prática) racista, machista e homofóbico. Um sistema que nega espaço para negros, mulheres e LGBTs até hoje.

Que bom que nos incomodamos com tudo isso no Qatar. Que o mesmo incômodo também aconteça no dia a dia de trabalho. Que a mesma indignação seja reportada às chefias quando chegarmos às redações e encontrarmos um ambiente pouco ou nada diverso. Que deixemos de silenciar as vozes das mulheres, dos negros e dos LGBTs que já estão abafadas há tanto tempo. Que enfim lutemos pelo respeito real à diversidade, no Qatar ou ao nosso lado.

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