Renato Terra

Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

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Renato Terra

Profissão: turista

O turista profissional trabalha incansavelmente para não ter trabalho

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Ócios do ofício

Tem gente que é capitalista. Tem gente que é comunista. E tem gente que é turista.

O turista profissional trabalha incansavelmente para não ter trabalho. Mesmo que tenha um emprego fixo, o turista está sempre passeando. Ócios do ofício.

Quando é competente e obstinado em seu programa de fidelidade, o errante navegante tupiniquim consegue excursionar pela vida acompanhado por toda a família: filhos, esposa, ex-mulheres, cunhado, nora.

Turista brasileiro raiz é aquele que sai pelo mundo berrando as maiores atrocidades em português. Na sua cabeça (e exclusivamente na sua cabeça), nosso idioma soa no exterior como um código criptografado que nem Alan Turing seria capaz de decodificar.

Sobre um fundo de praia bicolor, azul e laranja claro há um homem cor laranja vestindo uma camisa verde e amarela do Brasil e bermuda quadriculado azul, chinelo preto e com notas de dinheiro saindo do bolso da camisa.
Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra de 2.fev.23 - Débora Gonzales

Em seu estado de férias permanentes, alterna pijamas, chinelos e camisas de futebol. O que mais enerva o mandrião móvel são as situações que o obrigam a romper o movimento retilíneo uniforme de sua inércia. Toda vez que surge um tranco, pipocam apenas duas opções: 1) Ignorar e seguir o fluxo; 2) Colocar a culpa nos outros e seguir o fluxo.

A título de exemplo, numa situação hipotética extrema, um turista real oficial profissional poderia passar anos no Exército sem fazer uma flexão de braço sequer. Quem sabe, passar décadas como deputado sem aprovar um rascunho de um esboço de um protótipo de uma ideia de uma minuta de Projeto de Lei. Ou até, sei lá, ser um presidente da República que passeia, conversa, anda de moto, anda de jet ski, anda de helicóptero, se lambuza de churrasco na rua. Enquanto isso, como ninguém é de ferro, enche o passaporte de novos carimbos e as sacolas de compras em Dubai, Abu Dhabi, Miami e Doha.

Um gandaieiro errante de primeira grandeza pode até conquistar o status de ser patriota em outro país. Todos os dias são domingo em Orlando morando numa casa de favor mesmo com fartas quantias de dinheiro público caindo na conta corrente.

Mesmo com seu cartão corporativo acumulando incontáveis milhas, o calaceiro itinerante faixa preta prioriza sempre os pagamentos em dinheiro vivo.

Mas se engana quem pensa que a inércia não combina com meritocracia. A vida de um ocioso em órbita também é feita de recompensas e de reconhecimento. A maior honraria que se pode conquistar em vida é o visto de turista em solo americano. Mais especificamente na Flórida.

Mas quem vai correr atrás da burocracia, claro, é o seu advogado. Imagina interromper seus domingos para isso.

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