Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Fará sentido ser sueco?

Na Suécia, só o sol não funciona, e o verão dura cerca de 10 minutos

Na Suécia não há corrupção. Um político compra um pacote de amendoins com o cartão de milhas que o Parlamento lhe oferece para as viagens de comboio e a imprensa cai em cima do bandido. Noutros países (não vale a pena dizer quais), o político faria uma lei de privatização dos comboios à medida de uns amigos e receberia uma propina que lhe permitiria comprar cinco fábricas de amendoins. E a imprensa diria: este ministro, magnata dos frutos secos, tem futuro.

Na Suécia tudo funciona: a saúde, a educação, os transportes. Só o sol não funciona. Em dezembro, anoitece às três da tarde. O verão dura cerca de 10 minutos. É muito frequente dois suecos manterem um diálogo deste tipo:

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress

-- Björn, quer tomar uma cerveja comigo, neste verão?

-- Desculpe, Glenn, neste verão já combinei ir comer um sorvete com a Agnetha. E no próximo vou com a Ingrid ver o pôr do sol à praia. Parece que o verão do ano que vem calha numa quinta-feira à tarde. Marcamos para o verão de 2020?

-- Combinado. Gostei de falar consigo neste ônibus que está em perfeitas condições de manutenção e higiene e chegou pontualmente à paragem.

Isto é uma ocorrência diária. Depois, Björn e Glenn vão para suas casas e assistem a uma partida do campeonato de curling. Curling é um jogo em que um jogador arremessa uma pedra e os outros esfregam o chão com vassourinhas. Não é desporto, é faxina. É mais um de uma série de passatempos incompreensíveis inspirados em atividades cotidianas comezinhas. Bingo, por exemplo, é contabilidade para chimpanzés. Trata-se de conferir números simples. Sai o 27. A pessoa vê se tem o 27. Que engraçado, tem o 27. Confere. Já jogar nos caça-níqueis, no cassino, em 99,9% do tempo não é diferente em nada de pagar o parquímetro. É rigorosamente o mesmo enfiar de fichas em ranhuras. É, sem tirar nem pôr, o mesmo colocar de chapas redondas em gretas. Quando sai o prêmio, é diferente; mas quando não sai, não é.

Alguns jogos não se podem dar ao luxo de ser desinteressantes. Se o xadrez, durante 99,9% do tempo, fosse igual a tirar senhas no açougue, ninguém jogava. Outros jogos, ninguém sabe por que, podem ser chatos. Como o curling.

Parece haver um padrão: ou vivemos decentemente ao frio e vibramos com curling, ou temos sol, corrupção e futebol. Às vezes não parece, mas penso que fizemos a escolha certa.

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