Em 1943, um advogado americano amante de comédia chamado Nat Schmulowitz publicou o opúsculo “The Nazi Joke Courts”, sobre os tribunais especiais que o regime nazi tinha para julgar quem contava certas piadas.
Por exemplo: Hitler e Göring estão no topo da torre da rádio de Berlim. Hitler diz: “Gostava de pôr um sorriso na boca de todos os berlinenses”. Göring pergunta: “Por que é que não saltas?”. A mulher que contou esta piada foi presa, claro. Aquele era o tipo de regime em que se ia preso por dizer uma piada.
Em regimes como o nosso, pensamos de outra maneira. Lembra daquela piada que matou duas pessoas e feriu sete? Nunca aconteceu. E aquela tira de quadrinhos que partiu a perna a uma leitora? Também não existe.
Nas nossas sociedades, a gente tende a acreditar que aquilo que não causa dano não é crime, e que o maior dano que uma piada pode causar é não ter graça. Além disso, se uma piada sem graça causa algum dano, é na reputação do seu autor.
Já sei, já sei: mas uma piada não pode agredir? Não pode ser cruel? Pode. Mas talvez seja bom lembrar que as piadas existem, digamos, num plano de realidade diferente. Na nossa língua, costumamos recorrer a uma formulação útil: está falando sério? Se sim, há um problema; se não, não há.
Imagine que alguém cai de um precipício e se esborracha no chão, todo espalmado. Horrível, não? Então por que é que deixamos as crianças assistirem “Tom e Jerry”, com histórias em que isso acontece com tanta frequência? Porque, na comédia, a dor não é bem dor, a crueldade não é exatamente crueldade.
Chaplin e Buster Keaton tinham o corpo de borracha e —o que é melhor— tinham o ego de borracha. É isso que a comédia oferece. Por isso é que têm licença para exagerar.
Tendo em conta o atual ambiente, talvez eu deva esclarecer que estou nos antípodas políticos do Danilo Gentili. Acontece que, entre as sociedades nas quais o Danilo pode xingar os políticos em quem eu voto (e eu posso xingar os políticos em quem ele vota) e aquelas em que ninguém pode xingar ninguém, eu prefiro as primeiras.
Nessas, os cidadãos têm direito ao mau gosto, à grosseria, até à abjecção. É o preço —apesar de tudo, bastante pequeno— que a gente paga pela liberdade.
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