Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Tabaco or not tabaco

Sou do tempo em que fumar era bonito e publicar fotos de cadáveres era feio

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Nada perdeu mais prestígio, nos últimos 50 anos, do que o tabaco. Nos filmes já praticamente ninguém fuma. Nem na TV. Para não dar mau exemplo.

A série "Game of Thrones" não tem um único fumante. Eles decapitam gente, assassinam crianças, dormem com os irmãos —mas, graças a Deus, não fumam.

Disse isso a um amigo e ele respondeu: naquele tempo não havia tabaco. Eu perguntei: que tempo? O dos dragões? E ele refugiou-se no seu copo, que continha uma bebida que, aliás, mata mais do que o tabaco. No entanto, a garrafa continua a ter um rótulo bonito, enquanto os cigarros passaram a ser vendidos em embalagens com fotografias de defuntos. Eu ainda sou do tempo em que fumar era bonito e publicar fotos de cadáveres era feio.

Ilustração
- Luiza Pannunzio/Folhapress

Há um ano, um grupo antitabaco queixou-se de que a Netflix infringia essas novas regras não escritas: nas suas séries havia muitos "incidentes de tabaco", ou seja, várias personagens fumavam.

Acredito que seja chocante ver Wagner Moura, em "Narcos", a traficar cocaína e a eliminar adversários ao tiro e à bomba ao mesmo tempo que fuma um cigarro ou um charuto.

É como criticar que uma pessoa que chafurda numa pocilga, de repente, cuspa no chão. Olha aí a falta de civismo, que há crianças a assistir. Apague o cigarro enquanto trafica e mata, ó mal-educado. Comporte-se.

Acontece que, neste mês, dois estudos indicaram que as dietas ricas em carnes vermelhas e a poluição atmosférica matam mais do que o tabaco. Significa isto que, quando um fumador sai do restaurante para vir fumar cá fora, ele está a prejudicar mais a sua saúde quando respira o ar da cidade do que quando puxa uma fumaça.

Entre a digestão da carne que comeu, o ar poluído que respira e o cigarro, o que lhe faz menos mal é o tabaco. Incrivelmente, os filmes continuam a incluir cenas de churrascos, a porta dos açougues continua a não ter fotos de cadáveres comedores de picanha e os cidadãos não são aconselhados a sair à rua de escafandro. E ninguém se insurge contra a barriga que Wagner Moura ostentava quando planeava fazer explodir um avião. Fazem falta novas indignações. Olha aí o perímetro abdominal, assassino.

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