Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Da contiguidade de obrigados

Todas minhas propostas para solucionar o problema conduzem para violência física

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Já não é a primeira vez que acontece. Chegamos ao aeroporto. O motorista do táxi passa-me a máquina para o cartão de crédito e eu: obrigado. Depois ele recolhe a máquina e eu: obrigado. Logo a seguir ele entrega-me a nota e eu: obrigado. No fim, deseja-me boa viagem e eu: obrigado.

São quatro obrigados num período inferior a 30 segundos. O que deseja ser reconhecimento toma a aparência de zombaria. A educação transforma-se em falta de educação.

A pretexto de estarem mais preocupados com outras questões, os filósofos têm recusado refletir sobre o problema da contiguidade de obrigados.

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress

É mais fácil tagarelar com Trasímaco pelas ruas de Atenas acerca da definição de justiça do que dizer a uma pessoa o que há de fazer quando uma concentração de agradecimentos subverte a ideia de gratidão. E depois admiram-se que sejam condenados a beber uma tacinha de cicuta.

Na minha opinião, quando confrontada com este tipo de problema, uma pessoa tem três hipóteses, nenhuma das quais completamente satisfatória.

Agradecer apenas uma em cada duas ações. A alternância de agradecimentos com silêncio reduz a frequência dos obrigados, mas cria uma injustiça: certas ações passam sem retribuição.

Essa conduta produzirá no interlocutor uma dúvida: por que é que certas ações são merecedoras de agradecimento e outras não, sabendo que todas são praticadas com a mesma boa vontade? Uma inquietação que, com base na minha experiência pessoal, o interlocutor pode querer tirar a limpo com recurso à violência física.

Esperar pelo fim e fazer apenas um agradecimento, talvez referindo que aquele obrigado único se destina a agradecer uma pluralidade de ações.

No entanto, o fato de não agradecermos cada uma das ações individuais poderá gerar no outro a ideia de que somos malcriados.

Isso levará a que ele vá descurando progressivamente o empenho no serviço --o que, além do mais, fará com que o obrigado final pareça irônico. E conduza à violência física.

Evitar a repetição substituindo "obrigado" por um sinônimo. Grato, agradecido, reconhecido, penhorado e assim por diante.

Devo advertir, porém, que esse método é um cobertor que tapa a cabeça do ridículo, mas descobre os pés da bobagem e provoca nas outras pessoas uma irritação que, em geral, tem tendência a aplacar-se apenas de uma única forma: violência física.

Alguém pode ajudar? Desde já digo: obrigado.

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