Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu tiktok

Minha filha me diz todos os dias que não sonha em ser famosa

Digo-lhe sempre que não é fácil e requer muita disciplina, não exprimir opiniões em público e evitar as redes sociais

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No táxi.

“Desculpe. Eu acho que não estou a conhecê-lo.”

“Ah, é possível, sim.”

“O senhor não aparece na televisão, pois não?”

“Não.”

“Eu sabia! E é impressão minha ou nunca fez uma coreografia engraçada no TikTok?”

“Não. Eu nem sei dançar. Tenho a coordenação motora e a graciosidade de um pneu. Não tenho TikTok, sequer.”

“Incrível. Eu suspeitei logo que nunca o tinha visto. Lá em casa não vão acreditar. Desculpe se a minha animação o embaraça.”

“Não faz mal, estou habituado.”

“É muito raro eu encontrar um desconhecido aqui no táxi. Só esta manhã já transportei aquele influencer que pôs em dúvida a necessidade do uso das máscaras em fevereiro, a senhora que, quando tinha sete anos, se mascarou de índio no Carnaval e cujas fotografias ressurgiram na semana passada, e a moça que teve a sex tape mais partilhada de 2012. Tenho aí os autógrafos. É uma honra transportá-lo.”

“Ora essa.”

“Posso fazer uma pergunta?”

“Claro.”

“Provavelmente já está farto de responder a esta curiosidade, mas como é isso de chegar a qualquer lado e não ser reconhecido, ninguém o confrontar com um tuíte um pouco desastrado de há três anos, ou com um post de Instagram que se tornou viral porque exprimia uma opinião que era perfeitamente aceitável num dia à noite e completamente abominável na manhã seguinte?”

“A princípio é estranho, mas a gente se habitua. Claro que tem a parte chata de nunca recebermos produtos grátis, mas também não sofremos enxovalhos públicos por um like que a gente deu na fotografia errada em 2005.”

“Deve ser ótimo. A minha filha diz-me todos os dias: ‘Pai, o meu sonho é não ser famosa’. Ela apareceu nas notícias há três meses porque houve uma briga entre os alunos na escola dela, alguém filmou e colocou no Facebook, e ela aparecia ao fundo. Eu digo-lhe sempre: ‘Olha que não ser famoso não é fácil. Requer muita disciplina, não exprimir opiniões em público, evitar as redes sociais (as nossas e as dos outros)… Viver sossegado dá muito trabalho’.”

“Sim. É duro.”

“Claro, não é para todos. Escute, o senhor se importa que eu não peça um autógrafo?”

“Nada. É um prazer.”

“Incrível. Muito obrigado.”

pessoas diferentes no que parecem stories do Instagram
Luiza Pannunzio/Folhapress

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