Distorção do Holocausto e aumento do antissemitismo na pandemia preocupam Europa

Agravamento de atos racistas é mencionado por lideranças no Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto

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A celebração do Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto nesta quinta (27) foi marcada por um alerta global sobre o crescimento do antissemitismo durante a pandemia. Não apenas agressões verbais e físicas se multiplicaram, como discursos de distorção do Holocausto encontraram terreno fértil.

A França, por exemplo, registrou ao menos 589 atos antissemitas no último ano, aumento de 75% em relação a 2020, segundo o Serviço de Proteção à Comunidade Judaica (SPCJ). A violência física, por sua vez, cresceu 36%, e, dos atos racistas registrados no país no último ano, 73% tiveram como alvos judeus.

Manifestante contra as medidas de combate à pandemia na Holanda usa imagem da estrela de Davi com as frases 'não às máscaras, não às vacinas' - Kenzo Tribouillard - 26.nov.2021/AFP

Diante desse cenário, o SPCJ chamou a atenção para o agravamento dos ataques à comunidade judaica em agosto, quando o país registrou os primeiros atos contra medidas de restrição para conter a Covid. "Foram atos antissemitas, que descreviam judeus como aproveitadores e até como causadores da crise."

A percepção não é exclusiva da França. Relatório anual sobre o antissemitismo no mundo lançado pelo Ministério da Diáspora de Israel na segunda-feira (24) sugere que a pandemia de coronavírus serviu de alavanca para manifestações contra os judeus e critica o fato de muitos opositores às medidas sanitárias e à vacinação terem comparado as restrições com as políticas nazistas dirigidas aos judeus na primeira metade do século 20 —algo que, afirma a pasta, banaliza e distorce o Holocausto.

O uso da estrela de Davi, símbolo do judaísmo, também foi comum em atos antivacina, observa o relatório, segundo o qual as postagens de ódio contra judeus no Twitter cresceram 31% em 2021 em comparação com 2020. No total, 3,5 milhões de posts antissemitas de 430 mil usuários foram identificados.

"As restrições devido à Covid levaram opositores a atribuir a culpa da pandemia aos judeus, acusados de se beneficiar da crise global da saúde", afirma o documento, que também menciona o conflito de 11 dias entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, em maio, como um catalisador das manifestações racistas.

No Reino Unido, o primeiro semestre de 2021 foi o pior observado em termos de violência antissemita, segundo o Community Security Trust, projeto ligado à comunidade judaica. O grupo registrou 1.308 atos do tipo de janeiro a junho do último ano, aumento de 49% em relação ao mesmo período de 2020.

Para Dani Dayan, diretor-executivo do Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Jerusalém, a negação do Holocausto atualmente é um fenômeno marginal, sem lastro concreto na sociedade, mas o mesmo não se pode dizer da distorção que se faz do genocídio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao jornal The Times of Israel ele atribuiu parte do problema à falta de reflexão sobre a participação de países da Europa Ocidental no Holocausto. "Vemos muitas pessoas e governos dizendo 'sim, é claro que o Holocausto aconteceu, mas não no meu país, onde não havia colaboradores dos nazistas'. E, infelizmente, isso não é verdade", afirmou. "Em quase todos os países europeus havia colaboradores dos nazistas, perpetradores de crimes de guerra contra os judeus. E essa é uma maneira de distorcer o Holocausto."

O preocupante cenário tem forçado lideranças europeias a diversificarem a estratégia de combate ao antissemitismo. A União Europeia (UE) se comprometeu, nesta quarta-feira (26), a enfrentar a negação do Holocausto acentuada na pandemia. Meses antes, em outubro, o bloco lançou um plano de combate aos ataques contra a comunidade judaica a ser aplicado ao longo desta década.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, disse que as lições do Holocausto são mais relevantes do que nunca. "Os judeus se sentem ameaçados e estão sendo atacados na Europa, apenas por serem judeus. Não podemos e jamais aceitaremos isso. A Europa sem o povo judeu não seria mais a Europa."

Mencionando discurso de uma sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, segundo o qual "Auschwitz não caiu do céu, veio em pequenos passos, entrou em meio à indiferença e à discriminação contra direitos das minorias", Michel aproveitou a ocasião para fazer uma defesa enfática da democracia.

"Hoje, mais uma vez, a democracia tem seus inimigos, que lembram os inimigos de 80 anos atrás, com discurso de ódio, extremismo e teorias da conspiração. Quero lembrar que a democracia também não 'cai do céu'. Ela é conquistada, construída. A democracia deve ser alimentada e protegida, dia após dia."

O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto foi estabelecido pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em dezembro de 2005. A data, 27 de janeiro, marca o dia em que os prisioneiros do campo de Auschwitz, na Polônia, o principal mantido pelo regime nazista, foram liberados.

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