Sempre que o mundo se encontra numa situação como esta, em que várias guerras bárbaras deflagram em diferentes pontos do globo, lembro-me de Gottlob Wilhelm Burmann, o poeta alemão do século 18.
Burmann tinha um ódio profundo, veemente, absurdo. Era, ao mesmo tempo, um ódio magnífico.
Sei que não é costume elogiar o ódio, mas, nestes tempos de ódio assassino, deve assinalar-se que o ódio de Burmann era excelente, dado que, mesmo sendo violento, não fazia mal a ninguém.
Burmann odiava a letra "R". Falava e escrevia sem utilizar a letra, ou seja, substituindo todas as palavras com "R" por sinônimos ou perífrases sem "R".
Em 1788 publicou o livro "Poemas sem a letra R", uma coleção de 130 poemas em que a letra "R", evidentemente, não constava. Uma vez que, para seu desgosto, a maldita letra estava presente no seu sobrenome, dizem que ficou mais de 17 anos sem se apresentar com o nome completo.
Como costuma acontecer com o ódio, também este se baseia num preconceito que não é concordante com a realidade. A razão pela qual Burmann pretendia exterminar o "R" era esta: ele queria tornar
a língua alemã mais doce.
Creio que já perceberam onde quero chegar quando assinalo a irracionalidade deste ódio. A letra "R" está inocente do delito de que é acusada.
As línguas mais doces do mundo têm, naturalmente, palavras com "R". E muitas das palavras mais doces das línguas mais doces também.
Quantas palavras portuguesas doces têm "R"? Amor, devagarinho, amanhecer e coração têm "R". Primavera tem dois "R". Sussurro tem dois "R" seguidos.
O problema da língua alemã não é o "R". O problema da língua alemã é a própria língua alemã. Os alemães não enunciam as letras, atiram-nos as letras à cara.
O comediante americano Steve Carell costuma fazer um número muito engraçado. Chama-se "Alemão Diz Coisas Simpáticas". E é mesmo isso: ele diz, com um sotaque alemão, frases doces. Todas as frases perdem instantaneamente a doçura. Mesmo as que não têm qualquer "R".
É por isso que recomendo a todos os fanáticos um ódio igual a este. Um ódio injusto, ridículo, obsessivo e tão visceral quanto quiserem. Se quiserem dirigi-lo a letras, têm 26 à sua escolha. Se preferirem números, têm hipóteses infinitas. Entretenham-se.
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