Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu União Europeia

Relação comercial entre Portugal e Brasil pode ser muito aprofundada, diz membro do governo português

Bernardo Ivo Cruz, secretário de Estado da Internacionalização aponta caminhos para inverter um ciclo de baixos investimentos.

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Bernardo Ivo Cruz nasceu em Lisboa, mas viveu vários anos no Brasil. Em março deste ano, foi nomeado secretário de Estado da Internacionalização, sendo responsável pelas estratégias de comércio exterior e de investimentos de Portugal. Reforça que o atual momento da relação comercial luso-brasileira –com volumes de comércio e investimento baixos e incidência em produtos tradicionais alimentares– terá que ser invertido a curto prazo e não poderá estar dependente do "mercado da saudade".

Em entrevista à coluna, Ivo Cruz revela as três linhas estratégicas concretas que deverão permitir um aprofundamento das relações comerciais e aposta no maior envolvimento das empresas portuguesas nos setores das energias renováveis e hotelaria.

Antes de assumir funções governativas, Ivo Cruz foi Conselheiro na Representação Permanente de Portugal junto da UE (União Europeia) em Bruxelas, acompanhando as relações do bloco europeu com países terceiros. Afirma que não pode ser cometido o erro de reduzir as relações entre a Europa e o Mercosul ao tratado de livre comércio. Deixa também claro que critérios ESG devem ocupar um espaço fundamental em qualquer estratégia de investimentos e comércio, "um reflexo da mudança dos hábitos e comportamentos do consumidor que, no Brasil, é altamente valorizado." A entrevista foi concedida por email.

Bernardo Ivo Cruz, o membro do governo português responsável por comércio exterior e investimentos
Bernardo Ivo Cruz, o membro do governo português responsável por comércio exterior e investimentos - Divulgação

O senhor viveu no Brasil durante a sua adolescência e, mais tarde, chegou a chefiar o escritório da Aicep (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal) no Brasil. Ao assumir novas funções como secretário de Estado da Internacionalização, o Brasil poderá tornar-se uma prioridade estratégica? Tive, de fato, a sorte de ter vivido no Brasil nos meus anos formativos e depois, mais tarde, já adulto. Ninguém que vive no Brasil fica imune à sua influência otimista. O Brasil é uma prioridade estratégica.

Estamos sempre a avaliar os mercados-alvo da internacionalização portuguesa em termos geográficos e setoriais com o objetivo de focar a aplicação dos recursos em setores e mercados estratégicos para a economia nacional. E o Brasil é um mercado estratégico para a economia portuguesa, tal como o são também a Europa, os EUA, a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e outros mercados com os quais a UE assinou acordos de comércio livre. Atualmente, é o mercado de destino de mais de 1.500 empresas portuguesas. Face à proximidade dos dois países e à dimensão do mercado brasileiro, estes são números que podem ser melhorados, e os empresários portugueses estarão atentos às prioridades do governo brasileiro relativamente à dinamização dos setores das infraestruturas, da energia, da economia digital e da saúde.

O investimento direto do Brasil em Portugal é muito escasso: 88 milhões de euros em 2021 e 127 milhões de euros no primeiro semestre de 2022. Como explicar a falta de interesse de investidores brasileiros por Portugal? Na verdade, verificamos que, só no primeiro semestre de 2022, houve um aumento de mais de 44% em investimento direto brasileiro, comparativamente com todo o ano de 2021.

Dito isto, não podemos deixar de salientar que, em 2021 e 2022, o Brasil, tal como os outros países, sofreu constrangimentos externos decorrentes da pandemia e da guerra na Ucrânia. A onda de investimentos brasileiros no exterior diminuiu, nomeadamente, em ativos como ações, quotas de fundos ou títulos financeiros. Este é um aspeto, particularmente, relevante dado que oferece uma imagem dos principais targets que o investidor brasileiro procura nos mercados externos.

Ao mesmo tempo, também se assistiu a uma crescente repatriação de recursos por residentes no país, decorrente da alta da taxa de juros no mercado brasileiro, imprevisibilidade do cenário econômico internacional e preços mais atrativos de alguns ativos internos. Sinais que nos permitem identificar o viés mais "doméstico" do investidor brasileiro que, historicamente, prioriza as oportunidades no mercado interno.

Quanto ao apetite por investir em Portugal, é uma tendência que, tal como o comércio de bens e serviços, conhece distintos ciclos, sempre influenciados pelo quadro econômico, regulatório, social e político interno (e externo) que os dois países vivem. Porém, são vários os dados que nos levam a crer que o investimento nos dois países tende a intensificar-se nos próximos tempos.

O Brasil já é o terceiro principal investidor em Portugal fora do espaço europeu. Em termos de stock, o investimento direto estrangeiro (IDE) do Brasil em Portugal representou 2% do total de IDE captado por Portugal em 2021. Identifica-se particular interesse do investidor brasileiro no setor imobiliário (associado, muitas vezes, à obtenção de autorização de residência), setor produtivo (capital intensivo) e no comércio (franquias). Nos últimos anos é, igualmente, possível observar um intenso fluxo de investidores a título individual que têm feito investimentos na indústria agroalimentar com realce para a atividade vinícola.

O mesmo acontece com o investimento português no Brasil, que chegou apenas a 12 milhões de euros em 2021. Por que os investidores portugueses não têm apetite pelo Brasil? Os dados estatísticos do relacionamento bilateral nos permitem sinalizar que o mesmo tem um pendor mais acentuado nas exportações na área do comércio de bens e serviços do que nos fluxos de investimento. O Brasil continua a figurar entre as prioridades das empresas portuguesas que pretendem exportar ou internacionalizar os seus negócios, apresentando-se como um dos principais mercados fora da Europa, mas o nível de investimento das nossas empresas ainda pode ser incrementado.

Há, no entanto, fatores regulatórios que justificam que o valor do investimento português no Brasil ainda seja diminuto. Para começar, a necessidade de constituição de uma empresa local, que passa a ser responsável (e, em alguns casos, autônoma da empresa matriz) pela gestão de todo o portfólio da empresa no mercado. Para efeitos de otimização fiscal, várias são as empresas portuguesas que acabam por adquirir empresas locais, o que lhes permite uma transição mais suave para entrada e início de atividade no mercado.

A realidade mostra que são vários os setores com grande presença de empresas de origem portuguesa com investimentos concretos no mercado brasileiro. Desde o setor alimentar e bebidas, passando pela construção e engenharia, energia, máquinas e equipamentos e, claro, setores como a indústria, os serviços e o turismo. Dando alguns exemplos concretos, empresas de grande relevo no cenário nacional como a GALP e a EDP antecipam avultados investimentos em projetos de geração de energia solar e eólica no Brasil nos próximos anos, definindo este mercado como a principal plataforma de crescimento no setor das energias renováveis. Cadeias de hotelaria portuguesas, como o Grupo Pestana e Vila Galé, anunciaram recentemente a intenção de investir e inaugurar novas unidades no Brasil.

O comércio português para o Brasil continua centrado nos mesmos produtos há 500 anos (bacalhau, azeite, vinho e frutas). Como modernizar as relações comerciais? Se, historicamente, há um peso relevante dos produtos agrícolas e alimentares nas exportações de Portugal para o Brasil, essa não é uma realidade inquestionável. Esta percepção está longe de traduzir a realidade das nossas exportações para o Brasil uma vez que o portfólio de produtos portugueses no mercado brasileiro não se limita, de forma alguma, ao que, em última análise, pode ser identificado como "mercado da saudade".

Em primeiro lugar, porque mesmo os produtos como o azeite, o vinho ou o peixe congelado integram indústrias que se renovaram, que incorporaram nos seus processos produtivos tecnologia de ponta. Apresentam soluções inovadoras que têm como base, para além da sua genuinidade, a sofisticação. Uma tradição "modernizada", se assim pretendermos designar.

Consequentemente, e de maneira transversal a todos os setores da economia portuguesa, a nossa oferta é também cada vez mais atenta aos princípios ESG (ambiente, sociedade, governança), onde o consumo está alinhado com o progresso e com o desenvolvimento sustentável das empresas. Um reflexo da mudança dos hábitos e comportamentos do consumidor que, no Brasil, é altamente valorizado.

A atração de grandes investimentos brasileiros para Portugal funciona também como âncora para as exportações noutros setores. Veículos e outros materiais de transporte, máquinas e aparelhos, plásticos e borracha são transacionados em volumes significativos, deixando em evidência, por exemplo, o peso do investimento de uma empresa como a Embraer no nosso país –ao mesmo tempo que reforçam a indústria dos moldes como um grande ator no relacionamento bilateral.

Os entraves comerciais são conhecidos. Mas o que pode ser realisticamente feito para Portugal e o Brasil fortalecerem a sua relação comercial? O relacionamento comercial entre Portugal e o Brasil continua a revelar-se sólido, constante e efetivo. Tem, porém, muito por onde ser aprofundado e diversificado. Para tal, sem menosprezo por outras ações que possam vir a ser tomadas, acredito serem três as linhas estratégicas concretas que permitirão revigorar o mesmo.

Para começar, o reforço da colaboração nos organismos internacionais onde Portugal e Brasil partilham assento, com particular ênfase na CPLP (onde é vital consolidar uma estratégia integrada e agregadora para a cooperação económica e comercial) e nos blocos regionais que Portugal e o Brasil integram (UE e Mercosul), por forma a reaproximar as partes (mesmo que a ratificação do Acordo continue por consumar).

Ainda, com a ampliação das ações que permitam disponibilizar ao mercado brasileiro informação relacionada com a oferta portuguesa, trilhando um caminho que permita alterar a matriz do relacionamento para um maior enfoque nos serviços nas principais áreas de oportunidade para as empresas portuguesas no Brasil no curto prazo (destacando-se a tecnologia aplicada à saúde e agronegócio, saneamento e energias renováveis).

Por último, devemos apostar em novos Estados, considerando a especialização regional que se verifica no mercado brasileiro (por exemplo, o claro foco na ciência e tecnologia nos estados mais ao sul do país, em contraponto com o peso do agronegócio no centro-oeste ou as oportunidades de cariz energético no Norte e Nordeste), sem nunca obliterar a questão da escala.

É cada vez mais importante que as políticas de atração de investimentos estejam alinhadas com princípios de sustentabilidade. Qual a relevância que Portugal dá a este tema? Total. A crescente preocupação e regulamentação ambientais já são hoje acompanhadas por mecanismos e incentivos ao financiamento que se quer sustentável, e continuarão a sê-lo numa escala sem precedentes. É fundamental que haja um compromisso com a sustentabilidade, o desenvolvimento social e a promoção do financiamento ambientalmente e socialmente responsável. A adoção de estratégias de implementação do investimento responsável, ancoradas na medição e divulgação pública do impacto ambiental do investimento, é uma estratégia que, necessariamente, será implementada.

Nesse contexto, Portugal, não só tem acompanhado as novas iniciativas legislativas na União Europeia, incluindo a criação de um sistema de classificação para identificar as atividades econômicas sustentáveis, como acredita ser prioritário criar um enquadramento normativo claro e com instrumentos atrativos para garantir que o investimento no nosso país assegure os princípios do desenvolvimento social, da sustentabilidade, e da transição energética e digital.

Quais as expectativas do governo português relativamente à ratificação do acordo de livre comércio EU-Mercosul? Será possível concretizá-la em 2023? O governo português tem sido um apoiador firme da ratificação do acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul. Entendemos que será um instrumento fundamental para a abertura dos mercados e para a melhoria do relacionamento entre a Europa e o sul das Américas, e com a América Latina no seu conjunto.

Mas não podemos cometer o erro de reduzir as relações entre a Europa e o Mercosul ao tratado. Há muito mais vida para além do tratado e não devemos esquecer o tanto que nos une e o potencial de progresso e bem-estar para a Europa e para a América Latina que vem de trabalharmos em conjunto.

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