Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu União Europeia

Vale a pena emigrar para Portugal?

Nunca tantos estrangeiros escolheram Portugal para viver, mas é cada vez mais difícil os brasileiros terem qualidade de vida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Os dados definitivos dos Censos de Portugal, realizados a cada dez anos, acabaram de ser divulgados. Em 2021, residiam no país 542.314 pessoas de nacionalidade estrangeira, sendo sobretudo brasileiros (199.810 pessoas ou 37% dos estrangeiros). Em 2011, eram 109.787. O crescimento do volume de brasileiros nos grandes centros urbanos de Lisboa, Porto e Braga não tem paralelo na história da imigração portuguesa. Nunca tantos brasileiros escolheram Portugal para viver.

Os Censos também revelaram um país com menos gente (decrescimento populacional de 2,1% face a 2011), mais envelhecido e com população distribuída de forma mais desequilibrada pelo território. Os recém-graduados continuam a emigrar como forma de escaparem das altas taxas de desemprego jovem.

Ponto de ônibus na praça do Comércio, em Lisboa - Patricia de Melo Moreira - 29.abr.22/AFP

Portugal é o terceiro país europeu com a população mais envelhecida, com uma economia estagnada há 20 anos e com tendência de queda no ranking de desenvolvimento da União Europeia. As previsões apontam que está prestes a ser ultrapassado pela humilde Romênia em PIB per capita. Portugal é o 8º país mais pobre da Europa, com 22,4% da população vivendo abaixo da linha de pobreza.

Neste quadro, Portugal deveria criar condições para que a população imigrante, nomeadamente a brasileira, pudesse se integrar, trabalhar, produzir, inovar e criar famílias. Mas não tem sido o caso. Pelo menos não para a maioria.

O governo lançou recentemente novos tipos de vistos que favorecem brasileiros (entre outras nacionalidades) que trabalham em Portugal de forma remota ou que procuram emprego em solo português. São boas notícias. Mas os brasileiros encontram dificuldades inesperadas que não estão sendo acauteladas pelo governo.

O custo de vida tem crescido descontroladamente. O aumento dos preços tem-se feito sentir, sobretudo, nos setores imobiliário, energético, habitação e da alimentação. Alguns produtos dispararam 20% nos últimos dez meses. A espiral inflacionista que está a assolar a Europa explica parcialmente o problema.

Mas a entrada de centenas de milhares de estrangeiros com alta capacidade aquisitiva e sob regimes tributários diferenciados e generosos, tem levado também à gentrificação e ao aumento desenfreado dos valores da habitação (compra e aluguel).

Os brasileiros que vivem em Portugal com rendimentos oriundos do Brasil, passaram a ter dificuldades em manter a qualidade de vida que usufruíam quando chegaram a Portugal. A linha de corte da pobreza para quem vive em Portugal são 554 euros líquidos (R$ 3.029) por mês. No Brasil, quem aufere esse rendimento já é classe média.

Além disso, os brasileiros que vivem em Portugal, sem usufruírem de regimes tributários especiais, têm que viver como portugueses em Portugal. Isso significa baixos rendimentos. Portugal é o quarto país da União Europeia com o salário médio mais baixo. Um em cada quatro trabalhadores ganha apenas o salário mínimo nacional, de 705 euros (dados do Ministério do Trabalho). Os salários médios em termos reais caíram cerca de 3% face a 2000.

Interessaria a Portugal atrair população em idade ativa que pudesse contribuir para a economia portuguesa e, principalmente para o aumento da produtividade —o principal travão do crescimento econômico português. Mas os tributos são pesados, penalizando o empreendorismo e as PMEs. A carga fiscal das empresas pode atingir uma taxa de 31,5%. Na tendência a 20 anos, a carga fiscal sobre o trabalho subiu 4,5 pontos. É um dos países da OCDE onde a quantidade de impostos e contribuições sociais paga mais pesa no total dos custos de trabalho. Portugal tem salários de país pobre e tributos de país rico.

Um número significativo de brasileiros trabalha no setor de hotelaria, restauração e turismo. Pré-Covid, o turismo correspondia a cerca de 19% do PIB português. Portugal é o 5º país do mundo onde é mais forte a contribuição do turismo para o PIB. Mas a falta de capital humano é um desafio. Faltam cerca de 50 mil trabalhadores neste setor. Mas há poucos incentivos nacionais para atrair mão-de-obra para este setor, cada vez mais exigente em termos de qualificações. Por exemplo, o Plano Turismo +Sustentável 2020-2023, uma estratégia nacional para promover o turismo sustentável, previa a qualificação de 50 mil profissionais. Os resultados foram negligentes.

Os incentivos chegaram sobretudo para os brasileiros das classes mais elevadas. Até setembro de 2022, 1.123 brasileiros tinham recebido autorizações de residência ao abrigo do regime dos "vistos gold". Em troca, investiram 864 milhões de euros, nos últimos dez anos. Esta injeção de capital é positiva para a economia, mas este grupo não trabalha ativamente em Portugal nem tem perspetivas de residência permanente a longo-prazo ou de criação de famílias.

Para facilitar a integração, o Estado português também precisaria de modernizar as estruturas de apoio à imigração. Mas o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o órgão que desempenha funções ligadas ao controle da imigração, vive permanente em taquicardia, oferecendo um serviço de qualidade paleolítica e com tratamento de arco e flecha. Os diversos governos têm prometido robustecer a infraestrutura e aumentar o corpo de funcionários, mas sem resultados concretos. A imprensa portuguesa dá voz a imigrantes que tiveram de fazer 30 mil chamadas até conseguirem ser atendidos pelo call center do SEF.

A integração social dos brasileiros não é inevitável. Felizmente que não há movimentos radicais xenófobos e a sociedade local é geralmente acolhedora. Mas são praticamente inexistentes os brasileiros, ou os portugueses de origem brasileira, que ocupam espaços de poder, seja em redes empresariais, na mídia ou no parlamento e governo. Portugal é um país que tem dificuldade em renovar as suas elites. Os brasileiros, mesmo os que acabaram adquirindo a nacionalidade portuguesa, acabam por viver em guetos culturais, com baixa integração na sociedade portuguesa ou com outras comunidades de emigrantes.

Com a derrota de Bolsonaro e a perspectiva de retomada da normalidade no Brasil, muitos brasileiros que vivem em Portugal desde 2019 já planejam voltar para casa. Cada um que decide regressar deve ser interpretado como uma derrota para Portugal. É uma oportunidade que se perde de uma pessoa poder contribuir para a superação dos problemas econômicos e demográficos portugueses. Mas se o país não oferecer melhores condições, é isso que vai acabar por acontecer.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.