Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

ESG e os abusos sexuais da Igreja Católica

Em Portugal, quase 5.000 crianças foram abusadas. E no Brasil?

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Bartolomeu da Silva Paz, José Carlos Pereira, Pedro Leandro Ricardo ou Tarcísio Tadeu Sprícigo são sacerdotes denunciados ou condenados no Brasil por assédio ou estupro de menores. A imprensa já revelou dezenas de casos. O país não é imune à onda de choque motivada pela brutalidade sádica dos homens de batina.

Portugal é o exemplo mais recente. Nas últimas sete décadas, foram abusadas sexualmente quase 5.000 crianças por padres da Igreja Católica. É um "número mínimo, absolutamente mínimo", afirmou no mês passado o coordenador da comissão independente que fez a investigação. Apenas 25 denúncias foram enviadas para o Ministério Público, devido à prescrição da maioria ou ao anonimato dos testemunhos.

A resposta da igreja portuguesa, nesta semana, revelou uma imensa falta de compaixão. Os padres abusadores não serão imediatamente investigados ou afastados. A igreja não irá indenizar as vítimas. A lei era dúbia quando os abusos foram cometidos, disse o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, enquanto portava uma igualmente dúbia cruz ao peito.

Em 2019, uma ONG britânica apresentou um relatório abrangente, com casos reportados nos 18 países de língua espanhola da América Latina e também no Brasil, no qual apontou que "não foi encontrada nenhuma investigação importante [pública] sobre o abuso sexual de crianças no seio da Igreja Católica no Brasil e os esforços de responsabilização por abusos do clero são escassos." Em 2005, uma investigação secreta do Vaticano, citada pelo The Guardian e IstoÉ, revelou que aproximadamente 1.700 padres brasileiros estiveram envolvidos em casos de má conduta sexual, incluindo o abuso físico de crianças e mulheres.

Além de Portugal, ao longo das últimas duas décadas, comissões independentes ou parlamentares já foram instaladas na Irlanda, Austrália, Alemanha, França, EUA, Chile e Espanha. Em todos esses países a igreja sistematicamente encobriu os autores dos abusos ou desvalorizou as queixas das vítimas. O Brasil precisa de fazer uma investigação semelhante.

Sai fora do âmbito deste artigo avaliar por que a Igreja Católica se tornou a instituição que mais acolhe e retém predadores sexuais. E por que, apesar dos apelos do papa Francisco (desde 2013), mantém uma postura de conivência com esses crimes hediondos.

Mas, em quase todos os países ocidentais de maioria católica, a igreja é um elemento de unidade cultural e de institucionalização do coletivo. A sua influência extravasa os limites da doutrina da fé. A Companhia de Jesus fundou a maior cidade brasileira e criou as bases do ensino público no país. O Carnaval é originalmente uma celebração bíblica. A ética cristã ainda influencia o direito e a hermenêutica jurídica no Brasil.

É aqui que os abusos da Igreja Católica se conectam com ESG. Violações dos direitos humanos e violência sexual são indicadores ESG levados em conta por alguns investidores para avaliar o perfil de risco de um ativo. Esse ativo pode ser uma empresa ou um país. As classificações de risco soberano –comumente referidas como classificação de crédito– determinam o nível de juros que um país deve pagar por empréstimos e créditos. E é cada vez mais comum para as agências de risco contabilizarem aspetos ESG, além dos financeiros, para estipularem o perfil de risco de um país.

A lógica aplica-se também às empresas. São inúmeras as que perderam valor de mercado devido a casos internos de assédio sexual, como a Mitsubishi, Walmart, Alphabet ou Amazon. Sabendo o potencial de destruição de valor que esses casos têm –incluindo riscos financeiros de longo prazo, interrupções operacionais e danos à reputação–, o regulador americano SEC começou, em 2022, a prestar atenção à diversidade e à cultura no local de trabalho das empresas listadas.

Um estudo demonstrou que as empresas com as taxas mais altas de incidentes de assédio sexual têm queda de 17% no valor das ações nos primeiros 12 meses após a revelação do incidente e um aumento dos custos laborais nos cinco anos seguintes. Se a Igreja Católica fosse uma empresa, o seu valor de mercado seria assaltado pelos sistemáticos casos de crueldade infantil.

Voltando ao risco dos países, a Moody’s, S&P e Fitch já integram riscos ESG, incluindo os relacionados a direitos humanos, nas suas metodologias de avaliação de risco soberano. Várias agências de rating ESG, como Robeco, SolAbility ou Sustainalytics, também levam em consideração a capacidade de um país fazer uma boa gestão do seu patrimônio natural, humano e institucional, porque esses critérios afetam a prosperidade das economias nacionais.

Os abusos sexuais da Igreja Católica, que afetam diretamente dezenas de milhares de vítimas e indiretamente milhões de pessoas, representam uma violação sistemática de um direito humano cometida por uma instituição que exerce uma influência dominadora em muitos países. Os abusos são, por isso, um risco ESG soberano; estão diretamente acoplados a questões de direitos humanos, inquietações sociais, quebras de institucionalidade ou corrupção.

Um país não é uma empresa. As lógicas são necessariamente diferentes. Mas as pessoas que sofreram abusos sexuais da Igreja Católica ou as mulheres alvo de assédio no local de trabalho são ambas vítimas. As instituições do direito e o mercado financeiro também são diferentes. Mas ambos, por razões diversas, deveriam prestar atenção às vítimas dos predadores sexuais.

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