Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu Portugal clima

Interessado em enfrentar a crise climática? Cuidado com o azeite

A forma mais comum de produzir não ajuda a mitigar as alterações climáticas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No mercadinho quase centenário da vila Montes da Senhora, no interior florestal de Portugal, o dono octogenário gosta de dizer em jeito irônico que ali vende-se de tudo menos azeite. "Não tem quem o compre, todos o fazem em casa", disse-me a semana passada.

A primeira vez que eu comprei azeite em um supermercado em Lisboa tinha 18 anos. O meu avô ficou estarrecido com a notícia e despachou-me às pressas um garrafão de azeite produzido artesanalmente no lagar comunitário dos Montes da Senhora, com azeitonas que ele próprio tinha colhido à mão. No início do século passado, o meu bisavô foi almocreve. Montado numa mula, vendia e comprava azeite que carregava num couro seco de cabra.

A igreja de Montes da Senhora
A igreja de Montes da Senhora - Reprodução

A árvore mais antiga da vila é uma oliveira com 800 anos. A igreja da povoação foi construída à sua frente. O azeite é lei divina.

A minha família é a regra, não a exceção. Até há cerca de duas décadas, o azeite português era exclusivamente oriundo de olivais de sequeiro cultivados de forma tradicional. Na agricultura de sequeiro não são plantadas mais do que 200 árvores por hectare e a produção depende da água da chuva. A colheita anual em novembro/dezembro ("apanha") é feita de forma artesanal e comunitária. É assim desde a ocupação romana há 2.000 anos.

Garrafas avermelhadas alinhadas em prateleria
Azeite português produzido de forma tradicional, oriundo dos Montes da Senhora, safra de dezembro de 2023 - José Tavares

O método alternativo é a cultura de regadio em regime superintensivo, no qual o número de árvores por hectare pode chegar a 2.000. Os grandes produtores mundiais de azeite, sobretudo empresas espanholas, produzem todo o azeite de forma superintensiva. Muitos deles já operam a partir de Portugal. Este sistema mecaniza a plantação, a poda e a colheita, otimizando-se a rentabilidade e diminuindo-se a dependência de mão de obra. As árvores são plantadas em linhas espaçadas de cerca de 2 metros e a copa das árvores é mantida baixa. A produtividade média do olival superintensivo é de cerca de 15 toneladas por hectare, enquanto a produtividade média do olival tradicional é cerca de três toneladas.

Como tem sido noticiado em todo o mundo, nos últimos dois anos a seca extrema nos países do Mediterrâneo, e principalmente em Espanha, causou uma descida drástica na produção de azeite e uma inflação exorbitante do produto. As altas temperaturas e o déficit hidrológico afetaram negativamente a floração, o vingamento e, posteriormente, a acumulação de azeite nas azeitonas durante a maturação. O preço do azeite no Brasil subiu cerca de 50%. Este ano a consoada de Natal sairá mais cara.

No primeiro semestre de 2023, Espanha, o maior produtor mundial de azeite, registrou o início de ano mais seco desde que há dados públicos, sendo a Andaluzia, uma das regiões com maior concentração de olivais superintensivos, uma das áreas mais afetadas. As alterações climáticas são diretamente responsáveis pelo cenário adverso. A falta de chuvas obrigou algumas regiões a declararem o estado de emergência pela primeira vez na história.

Colheita de oliva na região de Antequera, Espanha - Jorge Guerrero/AFP

Mas a produção de oliveiras em regime superintensivo é não apenas vítima das alterações climáticas como sua algoz também. Um estudo de uma equipe de pesquisadores da Universidade de Jaén, em Espanha, conclui que os olivais são eficientes sumidouros de CO2 atmosférico, principalmente ao fixar o CO2 em estruturas de árvores permanentes e não permanentes. Mas "a agricultura intensiva tem impactos significativamente mais elevados na maioria das categorias de impacto ambiental em comparação com a agricultura tradicional de sequeiro, principalmente devido à aplicação de fertilizantes nitrogenados, produtos de proteção de plantas e herbicidas".

Os olivais de sequeiro cultivados da forma tradicional contribuem mais para a mitigação das alterações climáticas, absorvendo significativamente mais CO2 quando comparados aos que usam sistemas de rega, mecanização e eletrificação.

A agricultura regenerativa é um sistema de princípios agrícolas que reabilita todo o ecossistema e aprimora os recursos naturais, aumentando o sequestro e a retenção do carbono no solo. É um sistema tradicional que começou a ser substituído, nos anos 1950, pela agricultura superintensiva.

Pela boca que sai um grito de protesto pelo clima também pode entrar um alimento que contribui para as alterações climáticas.

Para comprar azeite tradicional com intensidade climática negativa basta seguirem as coordenadas 39°46′40.0″N; 7°48′21.0″W (ou, no sistema de graus decimais: 39.777778, -7.805833)

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.