Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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A ciência está muito próxima de prever a data da sua morte

Qual passará a ser a sua resolução de Ano Novo? Minimizar ou maximizar a vida?

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O medo da morte nos impede de viver plenamente. Mas e se pudéssemos saber quando iremos morrer? Como viveríamos?

Ao analisar dados das vidas de 6 milhões de pessoas, uma equipa de cientistas da Technical University of Denmark (DTU) conseguiu criar um modelo de previsão da morte (life2vec). O estudo foi publicado a semana passada na revista Nature Computational Science.

Com uso de modelos de linguagem, como os que alimentam o ChatGPT ou o Bard, a equipe apoiou-se nos registros nacionais dinamarqueses que contêm dados relativos a trabalho e saúde de todos os cidadãos.

Ilustração para especial de Inteligência Artificial, de 20.fev.2020
Ilustração sobre inteligência artificial - Carolina Daffara/Folhapress

Foram analisados centenas de indicadores como salários, benefícios sociais, cargos profissionais, formação escolar, e visitas e diagnósticos hospitalares.

O algoritmo foi contrastado com os dados oficiais de falecimentos até 2020. Ou seja, foram criadas históricos individuais com milhares de dados a partir dos quais foi possível identificar padrões.

O modelo conseguiu prever a morte de indivíduos com uma previsão de 78%. Os erros (22%) foram sobretudo causados por acidentes inesperados, homicídios ou ataques cardíacos, que são difíceis de modelar. Conseguiu apontar também os fatores que influenciam uma morte prematura, como ter baixa renda, ter um diagnóstico de saúde mental e ser do sexo masculino.

Em declarações à coluna, Jane Greve, cientista do VIVE, um centro de pesquisa associado ao Ministério do Interior e Saúde da Dinamarca dedicado à análise do estado de bem-estar social dinamarquês, afirma que o estudo da DTU só foi possível porque a Dinamarca conta com uma base de dados populacional, incluindo dados de saúde individual e pública, de "alta qualidade."

O nível de acerto foi muito superior aos modelos já usados reservadamente pelas companhias de seguro para estimar a probabilidade da morte dos segurados e calcular o valor de uma apólice.

Certamente os desafios de globalização deste estudo são inumeráveis. Ainda não há dados suficientes de outros países. Quadros regulatórios serão erguidos. Questionamentos éticos e religiosos emergirão. A tecnologia aplicada à saúde (terapia gênica, nanotecnologia, medicina personalizada) irá contribuir para a longevidade e dificultar as previsões. Mas é uma questão de tempo até que saibamos, com muito mais precisão, quais os efeitos da nossa estrutura biológica, familiar e econômica na durabilidade da vida.

Algumas pessoas talvez encontrem conforto e propósito nestas informações. O reconhecimento da finitude da vida muitas vezes motiva-nos a buscar realizações significativas. No limite, poderíamos até viver em permanente fase de mania.

Outras talvez sintam ansiedade suscitada pelas limitações do livre-arbítrio. A nível econômico, poderão surgir questões relacionadas a poupança, consumo, contratação de seguros, planejamento sucessório, remuneração salarial e políticas públicas.

Jane Greve acredita que o Estado dinamarquês deveria usar os resultados do estudo para aperfeiçoar intervenções públicas em benefício dos dinamarqueses. No entanto, alerta, é igualmente importante reconhecer as potenciais limitações de modelos de dados. Isto porque as suas previsões são baseadas em dados presentes que poderão perpetuar erros.

"Se, por exemplo, o modelo indicar que os filhos de pais com alta escolaridade têm melhores chances de sobrevivência a um tratamento contra o câncer, isso ocorre porque eles seguem o tratamento com mais rigor ou porque o sistema os trata de maneira diferenciada, dada a sua condição social?"

O conceito de inteligência artificial foi discutido pela primeira vez numa conferência realizada na universidade Dartmouth em 1956 pelo matemático John McCarthy, com a presença de 20 especialistas em ciências da computação e ciências cognitivas. Dizia McCarthy que "cada aspeto do aprendizado ou qualquer outra característica da inteligência pode, em princípio, ser descrito de uma forma tão precisa que uma máquina poderá ser criada para simulá-lo."

É isto que tem sido feito na última década. Para os insurgentes contra o avanço das máquinas e os defensores do velho antropocentrismo, é importante advertir que as empresas de tecnologias já possuem toneladas de dados sobre nós que usam e vendem para prever e influenciar os nossos comportamentos, incluindo eleitorais, como se viu no referendo do Brexit e na eleição de Donald Trump.

Em 2018, a equipe da Google Brain usou um novo tipo de algoritmo de inteligência artificial para fazer previsões, em até 24h após os pacientes serem admitidos nos hospitais, sobre a sua probabilidade de morte. Acertou em 95% dos casos. Um estudo do Paris Cardiovascular Research Center, apresentado este ano, foi capaz de identificar pessoas que tinham mais de 90% de risco de morrer subitamente, recorrendo a inteligência artificial. Ou seja, a análise dos nossos dados individuais já funciona como uma calculadora das nossas ações em vida.

No fim de cada ano abundam as tendências, as previsões, as expectativas e as resoluções de Ano Novo. Perguntamos fielmente aos deuses, aos horóscopos, ao tarô, às runas e aos orixás sobre morte e vida. Mas o que acontecerá quando o leitor conseguir prever matematicamente a data da sua morte? Qual passará a ser a sua resolução de Ano Novo? Minimizar ou maximizar a vida?

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