Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Folha: 100 anos de vida, 100 anos a cobrir ESG

As várias reencarnações pelas quais ESG passou ao longo do último século foram devidamente registradas pelo jornal

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Até morrer com quase 100 anos, o meu avô usava palavras de museu que os seus bisnetos não entendiam. Dava-lhes uma “gorja” quando se portavam bem e torcia para que se “acartassem” em breve. Na vila portuguesa onde vivia perto da fronteira com a Espanha, era tratado por “Vosmecê”.

Também aquilo que chamamos hoje de ESG já teve vários registros no cartório. Atualmente, esse acrônimo, que tanto pode ser aplicado a empresas quanto a investidores financeiros, reflete uma estratégia para mitigar risco e alavancar retornos por meio de práticas ambientais, sociais e de boa governança corporativa. Mas nos últimos 100 anos, desde a fundação da Folha, já teve vários outros significados.

Redação da Folha, no prédio em Campos Elíseos, São Paulo - Lalo de Almeida - 28.jan.2021/Folhapress

Os primórdios de ESG podem ser encontrados na filantropia corporativa do final do século 19 e início do século 20. Magnatas americanos como J.D. Rockefeller ou Andrew Mellon ou brasileiros como Guilherme Guinle e Francesco Matarazzo apoiavam individualmente projetos sociais e culturais com a fortuna adquirida por meio das suas atividades empresariais. Em 1926 a Folha já dava destaque à Fundação Gaffrée e Guinle, uma “philantropica instituição, que honra o nosso paiz” (20.abr).

Na final da primeira metade do século 20, começou a emergir o termo “responsabilidade social corporativa”, ou seja, as empresas, mais do que os seus fundadores, também tinham um papel social. Em 1943 a americana Johnson & Johnson foi pioneira no lançamento de uma declaração de princípios (“Credo”) onde manifesta o seu apoio a causas sociais e advoga a necessidade de proteger o meio ambiente e os recursos naturais.

Cerca de duas décadas mais tarde, estes princípios começaram a germinar no Brasil, estimulados pela Declaração de Princípios da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa (A.D.C.E.) publicada na página 4 da edição da Folha de 14 de outubro de 1961. Reagindo à deterioração das condições sociais do país, um grupo de empresários cristãos, contrários à “liberdade ilimitada dos liberais” e ao “totalitarismo dos comunistas”, cria uma associação para “promover a melhor contribuição empresarial a[o] bem comum econômico.”

Mas faltava as empresas disporem de ferramentas para reportarem o seu trabalho nesta área. Em 1972 a americana Singer foi uma das primeiras a publicar um relatório de sustentabilidade, chamado na altura de “balanço social”. No Brasil, a academia indica que a primeira empresa a fazê-lo foi a baiana Nitrofértil, em 1984. Mas uma busca pelo acervo da Folha dá nota de uma notícia de 27 de maio de 1978 sobre uma sessão solene na Fiesp, com a presença do ministro do Trabalho, para o lançamento dos balanços sociais no Brasil, que têm “por objetivo fornecer ao empresariado instrumental capaz de permitir uma avaliação objetiva dos diversos aspetos do desenvolvimento humano da empresa, quantificando métodos e apreciando resultados”.

No ano seguinte, a Dersa (23 de março de 1979) e a João Fortes Engenharia S.A. (29 de maio 1979) anunciam na Folha os seus primeiros balanços desse tipo, “instrumento já em uso em países mais avançados economicamente”.

Se nas décadas de 1980 e 1990 várias empresas brasileiras acabaram convivendo com a sustentabilidade, ainda que com algum distanciamento social, o mercado financeiro inaugurou-se nestes temas apenas em 2001, quando o antigo ABN lançou o fundo Ethical FIA, que comprava ações de empresas com bons níveis de sustentabilidade corporativa.

Com o tempo, vários bancos aderiram à modalidade, como destaca uma notícia da Folha sobre este tema, de 25 de outubro 2004. Ao fundo do ABN juntaram-se o Itaú (Excelência Social FIA), o banco Santos (Fundo Social Pró-Amem), a Caixa Econômica Federal (FIF Fome Zero) e o Unibanco (Fundo Private Bank de Investimento Social). Alguns destes fundos entravam no território da sustentabilidade simplesmente porque repassavam uma fatia da taxa da administração para organizações sociais ou ambientais, uma prática atualmente em desuso. Era o caso também de um fundo do HSBC (FAC DI Ação Social), lançado no mercado duas semanas antes do produto do ABN.

Na altura, a Folha usava os termos “fundos socialmente responsáveis” ou “fundos politicamente corretos” (10 de dezembro de 2001) para cunhar estes produtos. Mesmo depois do acrônimo ESG ter sido parido num relatório da ONU de 2004, o jornal continuou usando expressões como “fundos éticos” (25 de outubro 2004) ou “fundos do bem” (4 de julho de 2011).

A notícia de outubro de 2004 indicava que “Nos Estados Unidos, o primeiro fundo de ações especializado em empresas consideradas socialmente responsáveis e respeitadoras do ambiente foi criado em 1982 pela consultora Hazel Henderson, do Calvert Group.” A Folha errou. O primeiro fundo foi o Pax World Fund, criado em 1971 e ligado à igreja Metodista (ainda hoje ativo).

E quando foi a primeira vez que a Folha imprimiu o acrônimo ESG? No dia 2 de novembro de 2013. O jornal entrevistou o então vice-chairman do Deutsche Bank, Caio Koch-Weser, que afirmou que “cada vez mais os investidores institucionais, empresas de resseguros, e fundos de pensão estão exigindo o que se chama de sustentabilidade ambiental, social e de governança [ESG na abreviação em inglês]” (colchete como no original).

Com o tempo, a sustentabilidade perdeu o seu caráter periférico na ordem de prioridades de empresas e de investidores. Também renunciou ao lirismo benemérito. Hoje é vista com mais racionalidade. Todos os ativos financeiros são vulneráveis a riscos e oportunidades nas áreas sociais, ambiental e de governança. Não saber dominar estes novos instrumentos, respondendo aos anseios dos acionistas e da sociedade, significa perder dinheiro. É ser “estouvado”, como dizia o meu avô Sebastião.

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