Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Como escapar da armadilha da renda média a que estamos presos

Índia dá exemplo com reforma tributária que começa a dar resultados

Mulheres produzem cigarro artesanal na Índia
Mulheres produzem cigarro artesanal na Índia; país criou tributo que substituiu todos os impostos sobre consumo - Noah Seelam - 17.jul.17/AFP

Construir um país próspero, com menor desigualdade e protegendo o ambiente, é possível, mas é uma tarefa de décadas. O Brasil está preso na armadilha da renda média. Conseguimos sair da pobreza, mas estamos empacados numa situação de baixa produtividade, além de índices abomináveis de violência.

Entre as dezenas de reformas, sabemos que uma das principais, se não a mais importante, é a tributária. Nem sempre exemplos de melhores práticas vêm dos países mais ricos. A Índia está promovendo uma grande reforma que começa a dar resultados.

Na Índia, somente em 2016 a renda per capita ultrapassou a marca de US$ 1.000 por ano (aqui é 14 vezes maior), mas os indicadores econômicos impressionam: o PIB cresceu 6,5% em 2017 e deve avançar 7,4% em 2018, com baixa inflação.

É o maior país democrático do mundo e, assim como o Brasil, tem como principais obstáculos uma elite tacanha, corrupção desenfreada e uma população com baixo nível educacional.

E tinha um sistema tributário tão ruim quanto o brasileiro. Mas, em julho de 2017, foi implantado um imposto chamado Goods  and  Services  Tax (GST).

Esse é um tributo indireto de valor agregado que substitui todos os impostos sobre consumo. Ele acaba com as guerras fiscais e limita evasão: o equivalente no Brasil seria a substituição de ICMS, IPI, PIS, Cofins, e ISS por um só. Essa reforma está reduzindo imensamente a complexidade tributária na Índia. Os resultados até o momento são animadores.

Do ponto de vista do consumidor, as medidas foram progressivas, já que há limites na incidência sobre os produtos que afetam os mais pobres ou são mais relevantes para o crescimento de longo prazo.

Serviços de educação e saúde não recolhem o GST, assim como cereais, leite e outros produtos da cesta básica. Ar-condicionado e refrigerador, vistos como bens de luxo em um país muito pobre, têm alíquotas de 28%, com a tributação sobre carros ainda maior.

Por outro lado, o GST é recolhido na região de consumo, e não de produção, favorecendo as regiões menos pobres.

A primeira versão do GST começou a tramitar em 2006. Até o último momento, vários governadores tentaram bloquear a implementação do novo tributo, e a negociação entre Federação e regiões foi complicada; mudanças em alíquotas para alguns produtos aconteceram até mesmo minutos antes do anúncio do pacote completo. Várias exceções espúrias ainda causam problemas.

É claro que, no começo, uma mudança dessa magnitude causa problemas de adaptação, mas essa reforma vai aumentar o potencial de crescimento do país. É bom lembrar que não se precisa fazer progressividade com impostos, necessariamente. Isso pode ser feito via transferências de renda, como o Bolsa Família, um excelente programa e que deveria ser ampliado.

Mas um tributo que simplifica o sistema, diminui incerteza e ainda tem menor efeito sobre os mais pobres é claramente preferível ao desatinado sistema tributário anterior na Índia e ao atual no Brasil.

No Brasil, uma reforma tributária é condição necessária, mas não suficiente, para escaparmos da armadilha da renda média. Desde que me entendo por gente, ouço que devemos fazê-la. Na Índia, mais pobre e com problemas federativos parecidos com o Brasil, a reforma demorou mais de dez anos, mas finalmente foi posta em prática. E aqui, ficaremos no discurso até quando?​

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