“Eu nunca mais volto aqui”, disse a proprietária do imóvel onde fico na Dinamarca. Ela foi me ajudar a alugar uma bicicleta, e o dono da loja disse que só em dinheiro. “Eles devem estar sonegando imposto”, comentou, indignada. A sociedade dinamarquesa está baseada em confiança: nos vizinhos, nos estranhos, nas regras, nas empresas, nas instituições e no Estado.
Das centenas de variáveis em modelos sofisticados de economia, a verdadeira prosperidade vem de regras bem definidas, estabilidade para famílias e empresas, um Estado que funciona, uma (pelo menos) razoável distribuição de renda e produtividade dos fatores, incluindo capital humano —nós. Resumindo a uma variável: confiança.
Vamos analisar processos históricos com dois resultados possíveis: melhora ou piora de credibilidade. Isso nos permite gerar previsões consistentes e com nuances, se definirmos bem o contexto.
Exemplos: os EUA e a Rússia. Trump é uma constante ameaça às instituições americanas, com discursos tresloucados e ações divisivas. Combinado com a polarização política entre democratas e republicanos, há um perigo real de erosão das instituições, embora algumas (parte da mídia, Judiciário etc.) tentem resistir.
Na Rússia, o sistema oligárquico, com todos os recursos indo para Moscou e uma elite corrupta, é a principal razão da estagnação do país.
No Brasil, criamos metas de inflação, Lei de Responsabilidade Fiscal e, mais recentemente, Lei do Teto, com o objetivo de amarrar e tornar ações das autoridades públicas mais previsíveis e confiáveis. A falta de estabilidade dificulta criação de crédito, investimentos de longo prazo e projetos complexos.
O Bolsa Família teve um impacto gigantesco porque gerou confiança. A extrema pobreza não é só falta de renda, mas também de previsibilidade. Quem vive de bico sabe disso. Hoje, as famílias mais pobres podem se planejar minimamente, contando com aquele (baixo) valor.
Aqui vai o teste —se uma política melhorar as condições subjacentes de credibilidade dentro da sociedade, seu resultado provavelmente vai ser bom. Assim, podemos inferir as condições de sucesso para a intervenção militar no Rio. Para dar certo, ela deveria melhorar o grau de confiança nas áreas ocupadas e ser acompanhada de uma reformulação da relação entre Estado, sociedade civil e o resto da comunidade.
As pessoas teriam mais direito de ir e vir, sofreriam menor opressão do tráfico e do Estado e poderiam tentar construir seu futuro. Infelizmente, o mais provável é que o estado de exceção esgarce ainda mais o tecido social, gerando mais desconfiança.
Opressão com melhorias institucionais pode até dar certo na China e em Cingapura, mas com certeza não no Brasil. No caos fluminense, já vai ser bom se sobrar dinheiro para a merenda.
A Lava Jato é um caso interessante: ela tem o potencial de revolucionar o país se o nível de corrupção realmente diminuir, fortalecendo as instituições. A patética greve dos juízes privilegiados só atrapalha. Como confiar num Judiciário que trabalha sob a égide do meu pirão primeiro?
Gerar confiança às vezes esbarra num paradoxo. Reformas que geram credibilidade em países emergentes são normalmente feitas por governos suspeitos. A reforma da Previdência é necessária, mas o governo atual não inspira muita confiança.
Criar confiança em todos os níveis. Não há outra forma de realmente sairmos da armadilha da renda média.
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