Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan
Descrição de chapéu inflação juros

Criar confiança é a única forma de sairmos da armadilha da renda média

A verdadeira prosperidade vem de regras bem definidas, estabilidade, um Estado que funciona

Família caminha em Copenhague, na Dinamarca
Família caminha em Copenhague, na Dinamarca, país cuja sociedade está baseada em confiança - Ritzau Scanpix Denmark - 14.fev.18/Mads Claus Rasmussen via Reuters

“Eu nunca mais volto aqui”, disse a proprietária do imóvel onde fico na Dinamarca. Ela foi me ajudar a alugar uma bicicleta, e o dono da loja disse que só em dinheiro. “Eles devem estar sonegando imposto”, comentou, indignada. A sociedade dinamarquesa está baseada em confiança: nos vizinhos, nos estranhos, nas regras, nas empresas, nas instituições e no Estado.

Das centenas de variáveis em modelos sofisticados de economia, a verdadeira prosperidade vem de regras bem definidas, estabilidade para famílias e empresas, um Estado que funciona, uma (pelo menos) razoável distribuição de renda e produtividade dos fatores, incluindo capital humano —nós. Resumindo a uma variável: confiança. 

Vamos analisar processos históricos com dois resultados possíveis: melhora ou piora de credibilidade. Isso nos permite gerar previsões consistentes e com nuances, se definirmos bem o contexto.

Exemplos: os EUA e a Rússia. Trump é uma constante ameaça às instituições americanas, com discursos tresloucados e ações divisivas. Combinado com a polarização política entre democratas e republicanos, há um perigo real de erosão das instituições, embora algumas (parte da mídia, Judiciário etc.) tentem resistir.

Na Rússia, o sistema oligárquico, com todos os recursos indo para Moscou e uma elite corrupta, é a principal razão da estagnação do país.

No Brasil, criamos metas de inflação, Lei de Responsabilidade Fiscal e, mais recentemente, Lei do Teto, com o objetivo de amarrar e tornar ações das autoridades públicas mais previsíveis e confiáveis. A falta de estabilidade dificulta criação de crédito, investimentos de longo prazo e projetos complexos. 

O Bolsa Família teve um impacto gigantesco porque gerou confiança. A extrema pobreza não é só falta de renda, mas também de previsibilidade. Quem vive de bico sabe disso. Hoje, as famílias mais pobres podem se planejar minimamente, contando com aquele (baixo) valor.

Aqui vai o teste —se uma política melhorar as condições subjacentes de credibilidade dentro da sociedade, seu resultado provavelmente vai ser bom. Assim, podemos inferir as condições de sucesso para a intervenção militar no Rio. Para dar certo, ela deveria melhorar o grau de confiança nas áreas ocupadas e ser acompanhada de uma reformulação da relação entre Estado, sociedade civil e o resto da comunidade.

As pessoas teriam mais direito de ir e vir, sofreriam menor opressão do tráfico e do Estado e poderiam tentar construir seu futuro. Infelizmente, o mais provável é que o estado de exceção esgarce ainda mais o tecido social, gerando mais desconfiança.

Opressão com melhorias institucionais pode até dar certo na China e em Cingapura, mas com certeza não no Brasil. No caos fluminense, já vai ser bom se sobrar dinheiro para a merenda.

A Lava Jato é um caso interessante: ela tem o potencial de revolucionar o país se o nível de corrupção realmente diminuir, fortalecendo as instituições. A patética greve dos juízes privilegiados só atrapalha. Como confiar num Judiciário que trabalha sob a égide do meu pirão primeiro?

Gerar confiança às vezes esbarra num paradoxo. Reformas que geram credibilidade em países emergentes são normalmente feitas por governos suspeitos. A reforma da Previdência é necessária, mas o governo atual não inspira muita confiança.

Criar confiança em todos os níveis. Não há outra forma de realmente sairmos da armadilha da renda média.
 

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