É hora de cobrar melhores informações das empresas, especialmente em diferenças de gênero, étnicas e nos reais impactos ambientais.
Mudanças no comportamento empresarial vêm de pressão dos consumidores, autorregulação da indústria ou regulação do Estado. No caso de Brumadinho e Mariana, autorregulação e regras estatais não foram suficientes para impedir a omissão da Vale. A pressão dos acionistas no segundo evento levou à demissão do presidente da empresa, mas é pouco. A governança corporativa das empresas brasileiras ainda é medieval.
Governança é, em grande parte, sobre transparência. Nos EUA, investidores no Vale do Silício estão impondo cláusulas sobre discriminações de gênero nos contratos para startups, resultado
do movimento #metoo.
Em questões ambientais, grandes empresas publicam relatórios de sustentabilidade, mas a maioria é “greenwashing”: não tem nenhum conteúdo relevante. O mais recente da Vale tinha 179 páginas e deu no que deu.
Um orientando de MBA, que trabalha num banco da Alemanha, levantou que em 2009 menos de 30% das instituições financeiras do país europeu publicavam relatório de sustentabilidade. Cinco anos depois, 99% o tinham, mas a maioria, incluindo o seu banco, não fazia nada de realmente sustentável. Era só vento.
O que vale (com trocadilhos) para o ambiente vale também para diferenças salariais de gênero e étnicas. Não precisa muito para mostrar que “meritocracia” é um conceito irrelevante no Brasil e a discriminação nas empresas, rotina.
Um exemplo. Numa das minhas últimas aulas de educação para executivos, só havia brancos numa turma de 31 participantes. Como não negros são 52% da população brasileira, se houvesse real meritocracia, seria de esperar que somente 15 fossem brancos.
Num mundo meritocrático, a probabilidade de uma turma com 31 executivos brancos seria de 0,000000013%, ou 1 em 7,6 bilhões! Ganhar na Mega Sena é algo como 1 em 55 milhões. Não é coincidência uma turma de executivos (e seu professor) só de brancos.
Acionistas, incluindo investidores institucionais como BNDESpar, Previ e outros, devem passar a exigir que empresas publiquem o real impacto de suas atividades e a diversidade do seu corpo de empregados.
Qual o percentual de mulheres no corpo de executivos? Qual o percentual de negros? Qual a diferença salarial entre homens e mulheres em cargos de gerência? Quais as verdadeiras iniciativas para diminuir riscos ambientais?
Eu desenvolvi, com colegas, um modelo de rating de sustentabilidade para empresas de capital fechado, complementar ao que os bancos já fazem, classificando empresas como AAA, AA+ etc.
Numa palestra, executivos, de um banco de desenvolvimento e de um banco privado brasileiro, me disseram que já faziam isso. Quando perguntei como, afirmaram que quem solicitava um empréstimo tinha que preencher um formulário que perguntava: “A empresa utiliza trabalho em condições de escravidão? Contribui para o desmatamento?”.
Tive vontade de chorar.
Parece estranho colocar junto discriminação racial, de gênero e impactos sobre ambiente, mas não é. A luz do sol é o melhor desinfetante.
Claro que vai ter gente manipulando dados, chamando de negro qualquer pessoa bronzeada e chamando de igualdade salarial um bônus de R$ 200 para todos os empregados. Mas melhor isso que o silêncio, cúmplice em tragédias como Brumadinho, a discriminação contra mulheres e o racismo nosso de todo dia.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.