Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

ONGs são um câncer?

O câncer, em fase de metástase, parece estar mesmo é no Palácio do Planalto

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Quando um presidente diz que as ONGs são um câncer, parece procurar poderes ditatoriais para ignorar as obrigações do Executivo em uma democracia.

Em grande parte, é pela incapacidade do Estado de prover serviços públicos de qualidade que ONGs ocupam esse espaço. Essas instituições alimentam os mais pobres, pressionam por melhores regulações, lutam pelos menos favorecidos e, na área ambiental, são os principais agentes que consideram o bem-estar da sociedade a longo prazo.

O ciclo político favorece soluções de curto prazo e limita os incentivos ao Estado para tratar de problemas que nos afetarão muito mais à frente.

Sou pesquisador sênior do Center for Sustainable Business da NYU Stern. A diretora do centro é uma das pessoas mais competentes que já conheci, Tensie Whelan. Ela foi presidente da Rainforest Alliance, uma das principais ONGs ambientais do planeta, por 15 anos.

Em um trabalho que fizemos sobre melhorar o desempenho ambiental da cadeia da pecuária brasileira (com apoio da consultoria A.T. Kearney), trabalhamos com grandes empresas do setor, tanto consumidores da cadeia (McDonald’s e Carrefour) como produtores e frigoríficos (Fazendas São Marcelo e Marfrig) e mais tantas outras ONGs brasileiras e mundiais, como The Nature Conservancy, Instituto Centro da Vida (ICV) e Imaflora.

O objetivo era disseminar melhores práticas socioambientais para, por exemplo, diminuir a emissão de carbono, reduzir desmatamento e aumentar produtividade das empresas do setor, simultaneamente. Um trabalho dos mais sérios e sem nenhuma participação, ou dinheiro, governamental. Um dos resultados é que, para os pecuaristas, o ganho de produtividade é potencialmente de 130% por quilo de carne, enquanto emissões de gases do efeito estufa poderiam cair 20%.

ONGs são multidimensionais. No meio da pandemia, as ações de muitas delas impediram que muitos brasileiros passassem fome.

Enquanto o Congresso debatia o programa de renda básica emergencial e o governo lutava contra um valor decente e atrasava os desembolsos, foram as ONGs, como o Instituto Mandaver e a Central Única de Favelas, que salvaram a vida de muitos. Outras, como o Instituto Horas da Vida, estão atuando diretamente no combate à Covid-19.

É claro que existem organizações que se aproveitam de brechas na legislação para extrair recursos para seus diretores sem oferecer muito para a sociedade. Em um país no qual todas as esferas do Estado deixam a desejar, não é de estranhar que tenhamos milhares dessas organizações.

Existem ONGs boas e ruins. Há sobreposição de função e ineficiência de escala em muitas delas (recomendo fortemente o Ted Talk de Dan Pelotta, chamado “A forma que pensamos sobre instituições de caridade está errada”). Mas a maioria faz um trabalho sério onde o Estado brasileiro falha.

Nossos desejos, como sociedade, não cabem na Constituição; nossa Constituição não cabe nos nossos gastos públicos; e nossos gastos públicos não cabem nos nossos impostos.

Somente um político que nunca se preocupou com os brasileiros pode generalizar contra ONGs, que ajudam a sociedade a lidar com as consequências das atividades econômicas não capturadas pelo mercado (externalidades).

A frase é ainda mais absurda quando vem do líder mundial mais incompetente em relação à luta contra a Covid-19.

O câncer, em fase de metástase, parece estar mesmo é no Palácio do Planalto.

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