Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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tecnologia Banco Central

Ataques especulativos no criptoverso

Há poucas soluções: negociar ajuda, jogar os juros na estratosfera, instituir controle de capitais ou deixar a moeda desvalorizar

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O que os acontecimentos nas criptomoedas, a crise asiática e a desvalorização do real em 1999 têm em comum?

Em todos os casos, um câmbio fixo com livre fluxo de capitais abriu as portas para um ataque especulativo. E, assim como um banco central que vê suas reservas em moeda estrangeira se esvaindo, a "autoridade monetária" ou a comunidade, se a governança for decentralizada, de uma criptomoeda tem poucas opções: negociar um pacote de ajuda, jogar a taxa de juros na estratosfera, instituir controle de capitais ou deixar a moeda desvalorizar até um novo equilíbrio.

A moeda TerraUSD não é o primeiro caso de um ataque a uma "stablecoin", moeda digital cujo valor é normalmente atrelado ao dólar (1 Terra deveria valer US$ 1), mas é o maior deles até agora. Hoje, há 12,2 bilhões de Terras em circulação, uma potencial de perda de US$ 12,2 bilhões para os detentores dessas moedas. Para efeitos de comparação, a maior "stablecoin" é a tether, com 89 bilhões de tokens digitais em circulação.

Representação de criptomoedas em frente a dólares - Dado Ruvic - 28.nov.2021/Reuters

A Terra é uma moeda algorítmica, com sistema de conversão entre dois tokens baseada na confiança. Stablecoins como o DAI tentam manter a relação com o dólar através de entrega de garantias. USDC e USDT usam reservas como títulos públicos ou privados. Por último, BUSD e USDP têm mandato de onde podem investir, como fundos de renda fixa, muito mais restrito para, em teoria, serem mais sólidas.

O ataque contra a libra esterlina em 1992, o peso mexicano em 1994, o real em 1998-99, o yuan, o franco suíço e a coroa dinamarquesa em 2015 e incontáveis outros são apostas de agentes econômicos contra a capacidade de um banco central manter a promessa de câmbio fixo.

Em alguns casos, o banco central se safa, como no da Dinamarca, que impôs controle de capitais para manter a paridade com o euro (já quem apostou na valorização do franco suíço se deu bem —ele subiu 25% após o banco central deixá-lo flutuar). Ataques especulativos raramente são coordenados. A condenação da opinião pública aos lucros de George Soros com a flutuação da libra não passa de antissemitismo disfarçado.

Qualquer indivíduo que pegue dinheiro emprestado na moeda de um país para comprar ativos de baixo risco em outro pode estar participando em um ataque especulativo, conscientemente ou não. Afinal, se a moeda do país de origem do empréstimo desvalorizar, o valor da dívida cai, e o investidor sai no lucro.

No caso da TerraUSD, o epicentro do ataque se deu no protocolo Anchor, que prometia 20% de retorno aos investidores (no Brasil, em 1998, a taxa de juros passou de 40% —em termos reais— para incentivar fluxo de capitais para o país; também não deu certo).

Assim como na crise de 1997, que começou na Tailândia e se espalhou pelo mundo, é provável que as outras "stablecoins" também sejam atacadas. Um resgate do sistema financeiro é possível. Quem será o FMI do criptoverso?

Parte da proposta das criptomoedas é trazer um novo sistema financeiro para o mundo, DeFi (finanças decentralizadas). Mas seria bom que a governança do sistema não se esquecesse das lições aprendidas por países que montaram sistemas de câmbio fixo frágeis.

Assim como esses sistemas podem ser mais ou menos estáveis (contando com controle de capitais, por exemplo), as "stablecoins" também seguem uma hierarquia. O dano pode ficar somente na TerraUSD ou se espalhar para todo o planeta; e para a Lua (e luna).

Agradeço os valiosos comentários de André Veloso, expert em criptomoedas.

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