Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Plano Real na Argentina?

Para acabar com a inflação no país, Milei precisa de um grande acordo político para limitar o déficit público

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Nesse ano, celebramos 30 anos do Plano Real, que acabou com a hiperinflação no Brasil. Não fomos o único país que conseguiu isso. Mas outros terem conseguido não significa que isso era um "fait accompli". A Argentina que o diga.

Milei vai conseguir acabar com a hiperinflação na Argentina? Em teoria, esse é um problema fácil de resolver.

Afinal, desde Israel em meados da década de 1980, e com as experiências na América Latina no início dos anos 1990, aprendemos a receita do bolo: redução do déficit público, criação de um mercado robusto para títulos públicos de média e longa duração, atração de capital estrangeiro para valorizar o câmbio temporariamente e regras fiscais que criem credibilidade de médio prazo.

O presidente da Argentina, Javier Milei - Tomas Cuesta - 12.dez.2023/Reuters

Mas o problema argentino não é economia, e sim política. Todos se lembram do dia 1º de julho de 1994, quando o Real foi oficialmente lançado.

Mas tão importante quanto essa data foi 14 de junho de 1993, quando o governo Itamar Franco lançou o Plano de Ação Imediata (PAI), programa que começou o longo ajuste das contas públicas no Brasil com amplo respaldo político.

Hiperinflação é causada pela impressão exagerada de papel-moeda? Não é bem assim. Colocar a máquina de criar dinheiro em circulação é consequência de um governo gastador sem credibilidade; um governo que não consegue vender títulos públicos, mas que assim mesmo quer gastar (muito) mais que arrecada.

Estados perdem habilidade de vender títulos públicos quando a sociedade não tem mais qualquer confiança na sua sustentação política. Os EUA já tiveram hiperinflação, mas muitos não sabem disso.

Isso aconteceu na época da guerra civil americana. Os estados confederados, que lutavam para manter a escravidão no país, e os da União, vendiam títulos públicos para cobrir suas despesas de guerra.

Mas quando começou a ficar claro que os confederados perderiam, ninguém mais queria comprar seus títulos. O governo confederado chegou a confiscar suprimentos e até produtos agrícolas de fazendas e empresas do seu território, prometendo pagar depois (o que nunca aconteceu, é claro). E passou a imprimir dinheiro.

No caso brasileiro, a confiança na sustentabilidade das contas do governo veio por várias ações, como corte de despesas pelo PAI, criação de novos impostos, como o Imposto de Movimentações Financeiras (IPMF) que depois virou Contribuição (CPMF), e a criação do Fundo Social de Emergência (FSE).

É por isso que logo a carga tributária no Brasil aumentou sobremaneira na primeira década após o Plano Real. Sem receitas inflacionárias, a única forma de aumentar o gasto público sem gerar dívida gigantesca ou retorno da inflação era aumentando impostos.

O governo FHC deveria ter controlado ainda mais os gastos (e não ter subido os juros para 48% ao ano para tentar, em vão, manter a paridade do real), mas isso é outra história. Mesmo com alguns deslizes, entregou um país modernizado.

E esse é o problema da Argentina. Para acabar com a inflação, é necessário um grande acordo político para limitar o déficit público. Milei é capaz de construir tal acordo? Difícil.

O governo conseguiu vender o equivalente a US$ 3,7 bilhões de títulos com vencimento de 2 a 3 anos, mas só os bancos, sem alternativa, compraram. Nenhum argentino quer tocar na dívida do país. Não é possível reduzir gastos públicos, em grande quantidade, com bordões eleitoreiros.

Ainda vai piorar muito antes de melhorar para nossos vizinhos.

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