Aliados de Itamar em Minas querem incluir legado de presidente na federalização da Cemig

Ex-secretários e ex-ministros tentam convencer Pacheco de que futura privatização da empresa deve ter aval de mineiros

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São Paulo

O fato é histórico. Em 1999, Itamar Franco assumia o governo de Minas Gerais sem se despir da pompa e do tamanho de um presidente da República, cargo que havia deixado quatro anos antes.

A começar pelos aliados: logo de cara, nomeou como seus secretários quatro ministros da "República do Pão de Queijo", como esta mesma Folha chamava seu governo em Brasília.

E ainda na primeira semana de mandato foi para o confronto com o governo federal e decretou moratória da dívida de Minas de R$ 19 bilhões com a União por 90 dias.

Então governador de Minas Gerais, Itamar Franco discursa na sede da Cemig, em Belo Horizonte
Então governador de Minas Gerais, Itamar Franco discursa na sede da Cemig, em Belo Horizonte - Cristiano Machado - 6.jun.01/Jornal Hoje em Dia

Hoje, a dívida do estado segue sendo um problema. Na casa dos R$ 170 bilhões, ela foi o principal assunto da política mineira nos últimos meses.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entrou na discussão e propôs como forma de abatimento do débito a federalização da Cemig, Copasa e Codemig, empresas lucrativas do governo de Minas.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparentemente comprou a ideia, e agora o Ministério da Fazenda analisa a real viabilidade do negócio.

A proposta de Pacheco é uma alternativa ao regime de recuperação fiscal do atual governador Romeu Zema (Novo), que determina limites no aumento de salários dos servidores públicos.

Na visão de políticos que acompanham o assunto de perto, também seria uma reação à tentativa de Zema de privatizar essas empresas —o que ele tenta fazer desde o início de 2023, mas sem sucesso.

O fracasso de Zema, aliás, passa por Itamar. Em 2001, o então governador mineiro conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa uma emenda à Constituição estadual que obrigava a convocação de um referendo popular caso a privatização de estatais de energia elétrica e saneamento fosse aprovada na Casa.

"Como existia uma dívida muito forte do estado, chegou-se a imaginar a hipótese de privatizar a Cemig e a Copasa, e o Itamar entendeu que para privatizar tinha de ouvir o povo. Ele, inclusive, resistia muito à privatização", lembra Henrique Hargreaves, 87, secretário e ministro da Casa Civil nos governos Itamar, um dos aliados de confiança do presidente e governador.

"Numa reunião rápida, Itamar me disse que precisaríamos fazer uma emenda na Constituição mineira para evitar que amanhã aparecesse uma loucura de alguém querer vender a Cemig e a Copasa. O quadro político era favorável porque o Itamar era do PMDB [hoje MDB], assim como o presidente da Assembleia", relembra Aloísio Vasconcelos, 80, diretor da Cemig na época e ex-presidente da Eletrobras durante o primeiro mandato de Lula.

O assunto, na época, foi parar em uma comissão especial da Assembleia. A relatoria do texto coube ao então deputado estadual Rogério Correia (PT), 65, hoje deputado federal.

"O ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) havia vendido um terço das ações da Cemig e passado o controle da empresa para a iniciativa privada, mesmo o estado sendo o sócio majoritário. O Itamar ficou revoltado com isso", diz Correia.

Itamar, então, não só conseguiu reverter essa decisão na Justiça como mobilizou seus aliados para aprovar a PEC na Assembleia. O texto foi aprovado pelos 51 deputados que estavam no plenário (ao todo, são 76) e segue até hoje na Carta mineira.

"A Assembleia de Minas está atinada com os ideais mineiros, e essa emenda impede agressões aos mineiros e à história de Minas", disse o governador à época.

Agora, os aliados de Itamar, morto em 2011, querem que a obrigação de um referendo popular em Minas em caso de privatização continue mesmo se essas empresas forem para as mãos do governo federal.

"Defendo que a empresa passe a ser do governo federal, mas por que não levar junto a necessidade do referendo?", questiona Vasconcelos.

No dia 19 de dezembro, um grupo de parlamentares mineiros fizeram essa proposta a Pacheco. O presidente do Senado, segundo quem participou da conversa, gostou da ideia e se comprometeu a procurar formas de viabilizá-la.

A preocupação deles é que a federalização de Cemig e Copasa apenas adie suas privatizações, caso os próximos governos em Brasília sejam liberais.

"A federalização é o melhor dos caminhos? Na minha visão não era, mas passou a ser a menos inconveniente das alternativas. É impossível concordar com as ideias do Zema, ele estaria vendendo a Cemig hoje para algum banco de São Paulo ou para alguma empresa da China ou Itália, o que seria um caos no ponto de vista da mineiridade", diz Vasconcelos. Ele era o coordenador da campanha de Itamar para o governo de Minas.

A resistência de Itamar às privatizações gerou o principal evento histórico de seu governo. À época, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pressionava pela privatização de Furnas, contra a vontade de Itamar.

Para se contrapor ao governo federal, o governador chegou, inclusive, a ameaçar desviar o curso do rio que abastece a hidrelétrica e a ordenar que Polícia Militar realizasse exercícios militares na região.

Não satisfeito, em setembro de 2000, Itamar cercou o Palácio da Liberdade, a antiga sede do Executivo mineiro, com policiais militares, alegando a necessidade de proteger o estado de uma eventual ação militar que ele acreditava que FHC, seu sucessor na Presidência, implementaria para desestabilizá-lo.

No fim, Itamar saiu vencedor.

"A gente era contra a desestatização dessas empresas. Você não pode pegar as empresas importantes do estado e sair privatizando", diz Marcelo Siqueira, 85, presidente da Copasa durante o governo Itamar em Minas e presidente de Furnas durante a presidência de Itamar.

Após 25 anos do início de seu mandato como governador e 12 após sua morte, Itamar segue influenciando como um presidente.

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